6 de dezembro de 2009

O Anarquismo individualista de Raul Seixas


É comum pensarmos o anarquismo como uma falta de organização, uma ausência de ordem, mas o verdadeiro anarquismo na verdade é uma forma sui generis de organização da sociedade através de uma livre expressão dos indivíduos, que encontram em si mesmos a responsabilidade sobre tudo que está a sua volta, sem a necessidade de delegar poder a um indivíduo, uma elite, ou mesmo uma instituição como o Estado, que seria responsável de ordenar e organizar a sociedade como um todo em vista do bem comum. Entre os maiores expoentes destas idéias destacamos o russo Mikhail Bakunin e o francês Pierre Joseph Proudhon, que escreveu o texto “O que é ser governado?”, do qual Raul se inspirou para escrever a música Plunct Plact Zum
A anarquia seria uma forma de poder distribuído, descentralizado, no sentido de um poder de todos exercido de forma conjunta, uma forma mais autentica de democracia. Raul Seixas é um dos pensadores mais conscientes desta dimensão fundamental do verdadeiro anarquismo, a ponto de expressar em suas músicas a compreensão desta nova forma de entender e viver a sociedade, o que ele chamava de ‘Sociedade Alternativa’, uma sociedade que tem seus fundamentos no individuo enquanto ser capaz de pensar e agir por si mesmo, e que desta forma não precisa de um controle externo, de regras impositivas ou mesma de uma instância que tolhe sua livre expressão e criatividade.
Na música Você ele diz: “Detesta o patrão no emprego / sem ver que o patrão sempre esteve em você/ e dorme com a esposa por quem já não sente amor / será que é medo? / Por que, você faz isso com você?
A Sociedade Alternativa é uma coletividade de indivíduos autônomos e co-responsáveis pelo bem estar de todos, ela permite-se fazer tudo aquilo que não impeça o outro de fazer o que ele quer. Aqui surge um tema presente no pensamento de Aleister Crowley, a conhecida ‘lei de Thelema’, “Faze o que tu queres” (Do what thou wilt), que não pode ser entendido como uma libertinagem irresponsável, mas como a forma mais verdadeira da liberdade, fazer o que se quer implica em permitir e reconhecer que o outro também tem o direito de fazer o que quer, ou seja, deve-se fazer aquilo que permite o outro fazer aquilo que ele também quer. É uma liberdade inclusiva, pois pressupõe a liberdade do outro e não a exclui, na medida em que reconhece o outro como sujeito de vontade.
Na música Novo Aeon se esclarece o que é a Sociedade Alternativa:
Sociedade Alternativa é Sociedade Novo Aeon / é um sapato em cada pé / direito de ser ateu ou de ter fé / ter prato entupido de comida que você mais gosta / ser carregado ou carregar gente nas costa / direito de ter riso ou ter prazer / e até direito de deixar Jesus sofrer!”
Essa concepção de liberdade individual está presente nas músicas Sociedade Alternativa e A Lei, na primeira fica claro a composição desta sociedade que permite tudo a todos, sem impedir que todos façam o que querem, ela está presente na consciência de cada um, como se diz no clipe da musica, “Você pode não estar na Sociedade Alternativa, mas a Sociedade Alternativa sempre esteve dentro de você”. Já na musica a Lei se diz que todo homem tem direito de pensar, de fazer, de criar, o que quiser..., mas “todo homem tem direito de matar todo aquele que quiser contrariar esses direitos...o amor é a lei, mas o amor sob vontade”.
O amor é a lei, mas esta lei não permite que o amor suplante a vontade, que é o principio supremo ao qual estão submetidos todos os direitos, já que estes estão fundados nela. A vontade é a máxima expressão da liberdade.

28 de novembro de 2009

Vampiros e Lobisomens juvenis


Vivemos um verdadeiro frisson juvenil em relação ao fenômeno literário, e agora cinematográfico, em torno de obras que falam sobre histórias de vampiros e lobisomens.  Estas figuras mitológicas são apresentadas como paradigmas de conduta juvenil, ora como sedutores e nobres, os vampiros, ora como rudes e servis, os lobisomens. Mas afinal, quem é o vampiro e quem é a vitima nessa onda produzida pela indústria cultural? Quem se transforma em fera irracional sob o signo da lua cheia?
As estórias de vampiros e lobisomens são muito antigas e de certo modo estão presentes em várias culturas, porém será em meados do século XIX que elas se consolidarão na forma de uma literatura especifica de horror, em primeiro lugar com o romance de Bram Stoker Drácula, que trata da figura do conde romeno Vladimir Draculea, conhecido como Vlad, o empalador. No século XX se multiplicarão através do cinema as versões da história de Drácula, desde Nosferatu até os filmes estrelados pelo ator húngaro Bela Lugosi, e, por fim, o famoso filme Drácula de Bram Stoker. Posteriormente surgiram romances como Entrevista com o Vampiro e, mais recentemente, a série Crepúsculo.
Atualmente as narrativas, séries e filmes em torno destas figuras mitológicas se multiplicam assustadoramente e arrastam multidões de jovens fanatizados pelos personagens que sofrem suas mesmas angustias e problemas amorosos e existenciais. Muitos encontram nestas historias um reflexo de suas vidas, que muitas vezes se reduz a uma existência sem sentido, cheia de momentos de conflito e angustia. Estes jovens ora são tratados como mortos-vivos (vampiros), ora como animais (lobisomens) pela própria família e pela sociedade que lhes nega a vida, a oportunidade, o sonho, e os direciona para um vaguear sem rumo num limbo de indecisão. Milhões de jovens têm vivido suas vidas numa constante incerteza, onde é preferível esconder-se na figura dos seres que habitam o mundo da escuridão, os tais vampiros e lobisomens, pois a estes foi negada uma vida normal, e sua sina é vagar em busca de sangue alheio para alimentar sua fraqueza.
 Que dizer dos jovens que se tornaram escravos das drogas, vivendo no limiar entre vida e morte? Tornaram-se verdadeiros zumbis sem perspectiva. O mundo em que vivem é um submundo comparado a Transilvânia imaginaria dos filmes de horror, onde a morte e vida são a mesma coisa. Não é a toa que livros sobre as angustias e problemas vividos por estes jovens vampiros e lobisomens atraem tanto a atenção de nossos jovens. Não seriam estes também como vampiros, que buscam ‘sangue’ para manter sua aparente ‘vida’? Não teriam nossos jovens se tornado lobisomens, ou seja, seres bestializados que rondam pelas noites de lua cheia? O que fazer, se o que resta aos nossos jovens é uma subvida num mundo cada vez mais aterrorizado pela droga, pela falta de oportunidades, sem educação nem perspectivas?
Por essa razão não devemos nos assustar com tanta histeria e fanatismo dos jovens em torno de figuras tão grotescas como vampiros e lobisomens, na verdade eles buscam uma imagem de si mesmos nas paginas dos livros e telas de cinema, que expressem suas angustias, as quais não têm interessado a ninguém, nem pais, nem mães, nem sociedade, nem poderes públicos, a não ser aqueles que são ávidos por lucro fácil, através da literatura e do cinema massificados.
 In: O Povo, Jornal do Leitor, 28/11/09

3 de novembro de 2009

São Francisco, a alegria e felicidade cristãs




São Francisco de Assis (sec.XII) foi escolhido pela revista Times, o homem do milênio (1000-2000), o que de certo modo não foi uma surpresa para os meios religiosos. Entre os títulos relacionados a sua santidade estão o de padroeiro da ecologia e dos animais e o Homem da Paz.
Ele é oriundo e Assis, na Itália, mas é venerado em todo Brasil, especialmente no Nordeste em Canindé (CE), onde alcançou uma glória que só pode ser comparada a do Pe Cícero em Juazeiro do Norte.  Vejamos um pouco de sua vida para ter idéia de quanto ele representa para a humanidade. Podemos dividir a vida de São Francisco em três momentos: a) antes da conversão (o apego), b) a conversão (o desapego, a pobreza e o caminho para a felicidade) e, por fim, c) a união com Cristo pelos estigmas (a verdadeira felicidade em Cristo).
Francisco desde cedo foi um aventureiro, um rapaz voltado para os bens deste mundo (Lc 18,18-23; Mt 6,19-21), ávido pela fama, glória, honra, mulheres, e em alguns momentos podemos comparar sua vida com a de Santo Agostinho (séc.V), o qual viveu os encantos do mundo (veja-se suas Confissões). Bernardone, seu pai, homem rico, não poupou nada para ver seu filho usufruir de tudo que sua idade promete. O apego às coisas deste mundo e seus prazeres talvez seja um dos grandes entraves para alcançar a verdadeira felicidade, ele nos amarra e faz crer que a realização do ser humano se dá na pura imanência, como se o homem estivesse satisfeito em sua finitude. Logo essa insatisfação tomou conta de Francisco, rapaz inquieto, o que o levou a séria crise de consciência.
A crise pela qual passou Francisco não é estranha a de muitos adolescentes, cansados de buscar em vão por algo que os satisfaça (como diz a musica ‘eu não consigo satisfação’ dos Rolling Stones). Será no desapego, no despojamento de si que Francisco vai encontrar o primeiro passo para alcançar a verdadeira Felicidade. A senhora Pobreza será sua condutora neste caminho. É ilustrativo o que nos diz São Paulo em sua Carta aos Filipenses sobre a kenosis de Cristo: “De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus. Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, sendo obediente até a morte, e morte de cruz” (Fl 2, 5-7). Foi esse desapego, esse despojamento que conduziu Francisco a descoberta da Felicidade em Cristo, sua humilhação é condição de sua exaltação. A exaltação da Igreja Medieval conduziu-a a sua ruína, pois quanto mais ela conquistava o mundo, menos era respeitada como esposa de Cristo, o luxo, a riqueza, o orgulho, tomaram o lugar da humildade e simplicidade, por essa razão Francisco recebe o chamado de Cristo para ser o reconstrutor de sua Igreja, não apenas daquela igrejinha de São Damiano, mas da Igreja como um todo, orientando-a para a liberdade na simplicidade e a pobreza originária como dom de Cristo.
A descoberta da Felicidade em Cristo foi o maior dom recebido por Francisco, cujos estigmas refletem a profunda intimidade com Jesus e sua paixão. A alegria cristã está na virtude da pobreza, no despojamento, na kenosis, no rebaixamento à condição de servo. Como diz o Senhor “aquele que quiser ser o maior no reino dos céus faça-se o menor de todos”. As Bem-aventuranças são o modelo da verdadeira felicidade (Lc 6,20-23; Mt 5,1-12), nelas encontramos os ideais de paz, mansidão, justiça, bondade, amor, pobreza, os quais Francisco viveu intensamente e neles encontrou todos os elementos necessários a uma vida alegre e feliz, como podemos ler em sua bela oração: “onde houver tristeza que eu leve alegria”.

Etimologia do nome Pajuçara

         Um dos trabalhos mais difíceis é descobrir a etimologia dos nomes de certos lugares (topônimos), apesar de em geral serem de origem Tupi, existem as famosas etimologias imaginárias e populares, além da ausência de fontes mais antigas ou sua total inexistência.

Em relação ao topônimo de Pajuçara, há pelo menos três versões: A Primeira é popular e folclórica, e segundo depoimentos de antigos moradores, por volta de 1841 ou 1869 (na seca), no inicio do povoamento branco, forte estiagem assolava os moradores que recorriam à lagoa para o uso geral, lavagem de roupas, banho de pessoas e animais, etc. Nesta época surgiu um surto de coceira que atingiu boa parte da comunidade que logo descobriu ser causada pela água da lagoa, pois ao banhar se sentia uma coceira (chamada “juçara”), donde o nome. Além disso, sabemos que existe uma palmeira espinhosa cujo nome em Tupi é “Juçara (Segundo Monteiro, Clovis. Da influência do Tupi no português). Seria a causa da coceira (juçara), a lagoa ou o “pau de juçara” (palmeira)? Esta é uma questão que não podemos responder com certeza. A segunda versão nos é dada pelo historiador Batista Aragão, que diz ser “Pajuçara” em Tupi o nome dado ao “soprador de fole” que destruía os formigueiros (Conforme Aragão, Batista. Índios do Ceará e Topônimos indígenas, também segundo Mauricéia, Cristovam de. Nomes geográficos aborígenes). A terceira versão diz que “Pajuçara” significa “guerreiro forte e gigante (Silva, Ivaldo. Datas e fatos para a história de Maracanaú), o que diz respeito ao filho do cacique Maracá, o índio Jaçanaú, que foi cognominado “Pajuçara” pelos anciãos da tribo, por ser grande lutador e guerreiro bravo.

Foi esta versão improvável, dada por Ivaldo Silva, que criou uma verdadeira lenda em torno das origens de Maracanaú. Lembramos curiosamente que Pajuçara é também o nome de uma praia do estado de Alagoas.


O desafio da violência na Pajuçara

A violência tem chegado a níveis insuportáveis em Pajuçara, e todos, ricos ou pobres, direta ou indiretamente têm sofrido as consequências da insegurança. Já passam de 35 os homicídios cometidos nesse distrito, que muitos desejam emancipar com interesses que não parecem ser o do bem comum. Em nosso município (Maracanaú) isso não é diferente. Roubos, assassinatos, seqüestros e todo tipo de violência têm afligido nossa sociedade que se vê de mãos atadas diante de tudo sem fazer nada.
Muitos consideram que o aumento do contingente policial seria resolução desse problema, mas mesmo o Ronda do Quarteirão ou a policia bem armada e “inteligente” parece não dar conta deste desafio, outros acham que com a redução da maioridade penal para 16 anos seria uma forma de resolver isto, já que uma boa parte destes crimes tem sido cometidos por adolescentes, há ainda aqueles que apelam para leis mais severas e punições rigorosas, e por fim há aqueles que consideram que deveria ser instituída no Brasil a pena de morte, como acontece nos Estados Unidos. Diante desse quadro nos perguntamos: O que fazer? Que atitude deve tomar o cidadão nesse sentido? Podemos contribuir de alguma forma para combater este problema?
A violência é um problema que afeta a todos e não podemos ficar alheios a isso, é claro que uma parcela de culpa é das autoridades que sempre adiam a resolução do problema passando a culpa para outras autoridades. Como devemos saber, a segurança publica é uma das obrigações do governo estadual, assim como a educação de nível médio, e muitos atribuem esta responsabilidade ao município, muito embora este possa de alguma forma minimizar o problema através da guarda municipal, mas principalmente através de políticas publicas voltadas a área social, a educação, ao esporte, a juventude, que, diga-se de passagem, é tão pouco assistida e lembrada por esses mesmos governos que querem seus votos! Em Pajuçara não observamos nenhuma ação preventiva, nenhum movimento em oposição ao tráfico de drogas, que campeia e ceifa vidas aos montes, não vemos nenhuma alternativa ou oportunidade para os jovens desta área tão carente, mas tão desejada por muitos políticos! Mesmo as ações que se apresentam são muito tímidas e quase inócuas.
Na verdade, as ações de conquista dos jovens para as fileiras do vicio e da criminalidade acontecem de forma explicita, muitas pessoas do bairro convivem com isso de forma aberta e até mesmo aceitam o problema com naturalidade. Parece que caímos numa letargia, numa apatia e indiferença que nos priva de qualquer ação positiva contra este problema que afeta a todos. A violência também vicia, pois as pessoas encontram maneiras de conviver com ela como se fosse algo aceitável. A escalada da violência em Pajuçara caminha a passos galopantes, e o máximo que temos como reação é a perplexidade e o espanto que não tem gerado nenhuma atitude seja de quem for.
Diante de tanta perplexidade temos que encontrar formas de ação que não se transformem em outro tipo de violência, como usar veneno contra veneno, mas agir com rigor, exigir a tomada de posição do poder publico em todas suas instâncias, organizarmo-nos coletivamente através de todos os meios legais e possíveis como um basta a tanta indiferença. A responsabilidade da sociedade civil organizada é uma forma eficaz de combate a violência. Conhecemos varias experiências neste sentido. É preciso encontrar oportunidades e alternativas educacionais, esportivas, culturais e sociais para retirar nossos jovens desse mar de lama que se tem se apresentado como único caminho para eles. Que esse apelo em relação a Pajuçara se torne um incentivo, um chamado a responsabilidade e a atitude, para todos aqueles que não suportam mais o descaso e falta de ação dos poderes públicos.

A Pajuçara de Rodolfo Teófilo

Esta primeira parte do texto “A Pajuçara na época de Rodolfo Teófilo” que ora apresentamos é uma parcela da pesquisa que empreendemos sobre a história de Pajuçara, desde o estabelecimento do escritor Rodolfo Teófilo em Pajuçara (1883) até hoje.
Segundo nossa pesquisa sobre a vida de Rodolfo Teófilo, apoiada nos textos dos biógrafos Waldy Sombra e Lira Neto, as terras de Pajuçara pertenciam a Luís das Seixas Correia (um português que veio do Maranhão para o Ceará) e foram compradas por Rodolfo Teófilo em 1883, que carinhosamente chamava sua fazenda de ‘Alto da Bonança’ onde ele escrevia seus livros, recebia os amigos da Padaria Espiritual, como Antonio Sales, elaborava a cajuína, vacinava a população e descansava tranqüilo.
Em seu livro de memórias ‘O Caixeiro’, ele diz: “Saímos de Pajuçara, deste belo lugar, que mal sabia eu seria meu retiro na velhice.” Ao comprar estas terras contava então 30 anos, aqui se estabelecendo e muito contribuindo para a história deste lugar, comprou-as em 1883, um ano antes da abolição da escravatura no Ceará. No ano seguinte, em 1884, Rodolfo participa da campanha abolicionista em Pacatuba, trabalhou e escreveu para livrar o povo negro do cativeiro, como atesta o historiador Raimundo Girão: “Rodolfo Teófilo o ‘romancista das secas’, que mais tarde (1913) enfeixaria os seus versos de tanta espontaneidade e simplicidade bucólica de ‘Lira Rústica’ e ‘Telésias’ (...). Fê-los a Pacatuba, Icó, Baturité, Messejana, Maranguape” (Girão, R. A Abolição no Ceará, p.251-252).
Em 1895, Rodolfo Teófilo publicou um pequeno jornal em Pajuçara, “O Domingo”, onde se encontram alguns fatos interessantes sobre este lugar, como por exemplo, a edição de 24 de maio de 1895: “Terminamos chamando a atenção dos leitores para o magnífico artigo de Lasdilau Conceição sobre a primeira comunhão das meninas do Alto da Bonança, capitaneada pela insigne soldada da religião, a Exma Sra Dona Raimundinha Cabral Teófilo e o incansável soldado de Cristo, Padre Otoni.” (Segundo Waldy Sombra, na biografia Rodolpho Theofilo, o varão benemérito da pátria)
No período de 1877 ao início do século XX, o Ceará além de sofrer com as secas, também sofre com a epidemia das pestes Cólera-Morbo e Varíola. Rodolfo lutou incansavelmente denunciando a indiferença do governo e vacinando pessoas em todos os recantos do Ceará, inclusive na Pajuçara. Em Pajuçara, sua atuação foi eficaz evitando que várias pessoas morressem destas pestes que grassavam em todos os municípios do Ceará. Em 1901 nos meses de maio e junho ele vacinou 227 pessoas aqui em Pajuçara, segundo ele: “Na fazenda (Pajuçara) continuei o serviço da vacinação, não só porque tinha de prover da vacina os meus substitutos na capital, como porque havia naquelas cercanias grande número de indivíduos não vacinados. Visitei todos os domicílios daquelas paragens circunvizinhas, e quando em meados de julho regressei à capital, trazia, para aumentar o número de pessoas vacinadas, o nome de 227 indivíduos” (Teófilo, R. Varíola e vacinação no Ceará, p.104).
Em 1902, nos meses de maio e junho foram vacinadas 46 pessoas, no ano de 1903 começa nova vacinação em Pajuçara, em janeiro 43 pessoas, maio e junho 72 pessoas, em 1904 não ocorreu nenhum caso de varíola em Fortaleza. Nesse mesmo ano vacinou 37 pessoas em junho, perfazendo de 1901 a 1904 o total de 425 pessoas vacinadas em Pajuçara; como podemos constatar não foi pequena a contribuição de Rodolfo.

15 de outubro de 2009

Histórias do “Reino de Maracangalha”

Há muito tempo atrás, num “Reino” muito, muito distante...
Tudo estava aparentemente tranqüilo, mas novamente aproximam-se as eleições no Reino de Maracangalha, um reino pobre e rico ao mesmo tempo, onde vive um povo inocente, puro e besta, pra não dizer tolo e trouxa. Existem dois impérios que rivalizam entre si este reino, são eles o Império de Rouberto Pescoço e Julius Kaifás, logo que Julius perdeu o reino na batalha de 2004 passou então a fazer reuniões escondidas com os lideres de rebanho, os puxa-sacos-mores, e entre eles o famoso Duque Ribabão, um clone medíocre de Tassus (Tassus também era conhecido como Tassanás, imagem e semelhança do Cão), o arquipoderoso imperador dos imperadores, mais conhecido como “galeguim-do-zói-azul”.
Desta vez Rouberto Pescoço tem em seu exercito o ‘vice-faz-nada’ Firmoleza, um ex-escrotófilo de Julius Kaifás, uma espécie de preguiçomem que durante anus (sim, anus!), o serviu reunindo a maior quantidade de desocupados do reino. Firmoleza tem agora o dever de se tornar o mais poderoso DE-PUTA-DO do reino para assegurar o poder de manipular os bobos e babões das redondezas. Firmoleza tinha uma doença muito rara, ele era ‘Celulouco’, ou seja, não conseguia passar muito tempo sem ligar ou receber chamadas no Celular, às vezes passava horas com o Celular no ouvido falando asneiras, ninguém conseguia falar com ele.
Felizmente a colônia de Parisjuçara onde dominava o bebum Dionisos, o bêbado, conseguiu se livrar de um mandatário de Rouberto Pescoço, o famoso Castelus de Areia, um falador e mentiroso que não possui cargo nem patente, mas apenas um salário de 10 mil roubelezas, a moeda do reino. Parisjuçara é uma colônia de exploração que foi sugada durante anos a fio por Dionisos, o bêbado, e depois por Castelus de Areia, que com ajuda de Rouberto construiu vários “falsos-edifícios-para-se-fazer nada” que eram reformados antes de serem construídos, nestas reformas eram gastos milhões de roubelezas que iam para os bolsos do imperador e seus sequazes. A principal empresa que fazia tais prédios era uma tal CR, ou seja, ‘Castelus-Rouberto’, e sempre cobrava mais que o que era gasto.
Mais uma vez haverá uma batalha entre Julius K. e Firmoleza desta vez pelo cargo de DE-PUTA-DO na grande eleição em que o povo tolo, puro e besta escolhe seu dominador através de um voto que é trocado por qualquer mixaria, como por exemplo uma camisa, um boné, uma conta de luz paga, 10 a 5 roubelezas ou outra mixaria qualquer. E o povo de Maracangalha se julga o povo mais feliz do mundo, muito embora seja o mais BURRO, FEIO, DOENTE e TROUXA de todos os povos do universo conhecido.
Junto com seus comparsas e o apoio de CIDA, a terrível (um abominável bi-trans-metro-sexual poderoso), como comandante da trupe, e com a ajuda de Rouberto, Firmoleza poderá manter seu poder sobre o povo basbaca de Maracangalha. E agora? Quem poderá nos defender? O que fazer?


14 de outubro de 2009

A história do filósofo Diógenes, o Cínico.


Autores: Francisco Bento e Rouxinol do Rinaré

Deus quando criou o homem
Facultou-lhe liberdade
Pra pensar e investigar
Deixou bem à vontade
Do amor a sabedoria
Nasceu a Filosofia
Como busca da verdade

Do grego, Filos, amigo.
Sabedoria é Sofia
A mãe de toda ciência
Da mente que tudo cria
Deus Pai, Primeiro Motor.
Poeta superior
Da divina poesia

Para alguém ser um filósofo
É preciso ter vontade
Ser um bom perguntador
E amante da verdade
Ser um homem curioso
Não viver só para o gozo
Porém ter sagacidade

Vou-lhe contar uma historia
De um filosofo engraçado
Por uns ele era mal visto
Por outros, admirado;
Conhecido como o Cão
Viveu sem esnobação
Em um barril enfiado

Quatro séculos a.C.
Toda a Grécia percorreu
Da escola do cinismo
Que no idioma Egeu
Significa o cão
Pois viveu na contra mão
E a muita gente mordeu

Falar de filosofia
Era sua profissão
E não dispensava crítica
Mostrando a contradição
Se o erro era gritante
Seu argumento triunfante
Finalizava a questão

Lá na Praça de Atenas
Ele era sempre encontrado
Com um cajado na mão
E um alforje do lado
Vivendo a duras penas
Mas o povo de Atenas
Lhe deixava indignado

Diógenes gostava muito
De aos outros criticar
Enxergava o erro alheio
E logo ia revelar
Com uma lanterna, de dia
A terra ele percorria
Para um ‘homem’ encontrar

Com sarcasmo e ironia
Expunha seu pensamento
Dizendo (constantemente):
“Na vida, a todo momento
Precisamos da razão
Ou de uma corda a mão
Para o próprio enforcamento”

Alguém querendo testá-lo
Em sua Filosofia
Pergunta-lhe: Quando devo
Almoçar durante o dia?
- Se rico, quando quiseres
Se pobre, quando puderes
Disse com sabedoria

Certa feita nosso herói
Toma seu banho solar
Chega Alexandre e pergunta:
- O que eu posso te dar?
- O que não é teu somente
Saindo da minha frente
Deixe o sol me iluminar!

Conta-se, pois, que Diógenes
Numa certa ocasião
Pede esmola a uma estátua
E alguém lhe pergunta a razão
Ele, sem titubear:
“É para me habituar
Com isso, a pedir em vão”

Sócrates foi seu modelo
(similar postura assume)
Na virtude, na palavra.
Filósofo de renome
Sendo ele bem mais louco
Pois viveu grande sufoco
Chegando até passar fome

Fora preso como escravo
E a um senhor vendido
Quando lhe foi perguntado
Para que era instruído
Disse ele: “Sei comandar”!
Continuando a falar
Esse filósofo atrevido

Um dia quando Platão
Suas aulas proferia
Falando então que o homem
Bípede implume seria
Diógenes, pra chateá-lo
Despena e joga-lhe um galo
Na cara, com ironia!...

Quis, pois, mostrar que o Filósofo.
Não tinha tanta razão
Despenando o galo todo
(Causou estupefação)
Soltou no meio do povo
Dizendo, num gesto novo:
“Eis o homem de Platão”!

Alguém pergunta a Platão
De uma forma inteligente:
“Que homem Diógenes é?”
Respondeu Platão somente
(Com ar de sabedoria
Fuzilou sua ironia):
“É um Sócrates demente”!

Diógenes em plena praça
Num constante vai-e-vem
Se masturbando tranqüilo
Falou encarando alguém:
“Quem dera funcionasse
Se ao meu estomago esfregasse
Passasse a fome também”!

Viu Diógenes certo dia,
Um jovem de tenra idade
Co’a mão em forma de concha
Bebendo água a vontade
Jogou fora o copo seu
Disse: “Um menino me deu
Lição de simplicidade”.

Muitos tratavam Diógenes
Como um ente vagabundo
No entanto o Cínico foi
Homem de saber profundo
Alguém perguntando um dia
A que pátria pertencia
Diz: “Sou cidadão do mundo”!

O que há mais miserável
Perguntam-lhe com pilhéria
Ao que responde Diógenes
Com a voz pausada e séria:
“Mais miserável na vida
É um velho na miséria”

Sem recursos, sem apego,
O cínico era acostumado
Viver sem luxo na vida
Porém, despreocupado,
Vivia a Filosofia
Da forma que bem queria
Da riqueza despojado

Rolava sobre a areia
Quente, durante o verão
E abraçava-se à neve
Na mais gelada estação
Dizia se preparar
Para poder enfrentar
A dura vida de cão

Talvez por fidelidade
A Filosofia, então,
Foi esse mais um motivo
Porque lhe chamavam Cão
Viveu como lhe convinha
Entre outras virtudes tinha
Poder de persuasão

Vivia ele sem lar
Exilado de sua terra
Não tinha aonde ir
Feito cão doido que erra
Parecia um vagabundo
Só, vagando pelo mundo
O seu destino encerra

Na Grécia, onde viveu
(que já parece esquecida)
Hoje virou um museu
Pois não tem a mesma vida
Por estranhos saqueada
Pelos “States” roubada
Ficou hoje emprobecida!


Prendendo a respiração
O grande cínico morreu
Uns dizem que foi um polvo
Cru, que Diógenes comeu,
A mais irônica versão
Nos conta que foi um cão
Que ao Filósofo mordeu.

Morreu Diógenes com cerca
De noventa anos de idade
Foi para junto de Zeus
Viver na eternidade
Por coincidência, ou não,
Seu nome tem relação
Com essa divindade...

‘Diógenes’ pois se traduz
Assim: “Nascido de Zeus”
O Cão volta a sua origem
Segundo os estudos meus
Viveu sem nenhum apego
Mais foi para o povo grego
Célebre pelos ditos seus!



Pajuçara - Março de 2004.

11 de outubro de 2009

Ele está no meio de nós!




Fim de ano é uma época engraçada,
as pessoas sentem cada vez mais o peso do trabalho,
tudo fica mais rápido, frenético, dinâmico, todos têm uma pressa inexplicável,
as casas são pintadas, as luzes são acesas,
os amigos sentem a necessidade de se rever,
as famílias buscam se aproximar,
os trabalhadores estão ansiosos pelas férias,
os alunos querem passar, os professores querem entrar em recesso,
Enfim, tudo indica que estamos aguardando algo diferente, algo novo, uma mudança.

A vida é assim, regida por ciclos, por etapas,
mesmo que nós não queiramos tudo passa por momentos que vão e vem,
as coisas se repetem, embora não da mesma forma, mas com um jeito de novo.
Mesmo sabendo que nada vai mudar substancialmente, nós acreditamos, esperamos, sentimos que há algo novo no ar, nossa consciência precisa acreditar para suportar a vida, para lhe dar sentido, para irmos adiante.
Em geral, os momentos de crise, de angústia pelo novo, são os mais promissores às mudanças, é através das crises que somos desafiados a inventar saídas, respostas, caminhos, estratégias.
O período de fim de ano é por si só um momento de crise, não como uma crise econômica, um cataclismo, mas é um momento de crise e ansiedade psicológica,
parece com o que denominamos 'apocalipse' (em grego, revelação), ou seja, é um momento de manifestação de anseios, de angústias, de esperanças, de alegrias, etc.

É sobretudo um momento propício para reflexão,
para parar, para pensar,
para parar e pensar,
reavaliar, planejar,
reestruturar, retomar ideais, projetos,
recriar sonhos.

O fim de um ano coincide com o inicio de um outro ano, de um novo período, de uma etapa nova, não que o seja realmente, porque tudo faz parte de uma convenção de nossa sociedade, o calendário, o qual varia de cultura para cultura, com datas, festas, feriados, dias santos, etc, isto não é senão uma criação coletiva tornada norma para todos. E muitas vezes vira uma gaiola onde ficamos presos. Mas há algo mais em tudo isso, sabemos que por trás das convenções existe um quê de diferente no ar, uma sensação de que devemos fazer algo, antes que o tempo se esgote, antes que passe o ano, devemos acelerar nossos projetos, criar saídas para realizá-los. Tudo isso faz parte dessa areia movediça que é o tempo, mas existe algo mais que não foge de nossas mãos assim tão fácil, existe um consolo para a fluidez continua do passar das horas...
Celebramos uma festa a cada ano que se repete, mas que mesmo sendo repetida é sempre novidade, é sempre ansiosamente aguardada...

É o Natal!
Natal, natividade, nascimento, eis o momento mais sublime da história humana! É Deus que arma sua tenda entre nós (como diz São João)!
É Deus que foge das alturas para estar conosco, para sofrer conosco, para chorar conosco toda nossa miséria desamparada!
É Deus pobre, no meio dos camponeses, dos pastores, dos animais, dos homens!
É Deus fugitivo, perseguido, procurado pelos poderosos para ser morto!
É Deus indefeso, sem armas, frágil!
É Deus menino, infantil, incapaz de lutar, de enfrentar o mal!
Mas é Deus Conosco, Emanuel, que mesmo sendo majestade, todo-poderoso, assume a condição de servo, de humilde, de manso, de fraco, de pobre, de humano...
Enfim, é o único capaz de nos salvar, pois é igual a nós, nos conhece como somos, em nossas fraquezas, pois sofreu nossas desventuras, e assim pode nos perdoar e nos redimir...

Celebremos esta festa que não se acaba, que não se compra, que não se consome, que não está nas tevês nem na mídia, que não precisa de árvore de Natal cheia de luzes artificiais, nem de guloseimas caríssimas, uma festa cuja luz é própria, pois vem do próprio Senhor, cuja árvore é a árvore da vida, cujo alimento se dá na comunhão...
Uma festa tão simples e que está ao nosso alcance na partilha com o irmão, com o pobre, com o que sofre...
Celebremos a noite feliz e eterna da salvação!
Feliz Natal!
Próspero Ano Novo!

O Deus Menino



Estamos nos aproximando de mais um Natal! É, para além do esbanjamento e do consumismo dos ricos, uma festa religiosa em que celebramos o nascimento de Jesus Cristo há mais dois mil anos atrás em Belém da Judéia. Mas, o que representa esta festa e este nascimento?
Uma família pobre fugindo das mesas fartas de injustiça de Israel se encaminha para uma periferia do mundo antigo (Belém), onde poderia encontrar uma gruta segura para um menino (frágil, como qualquer criança pobre) que traria esperança para as gerações futuras, mesmo perseguido pelos poderosos de seu país. Esta criança, filho adotivo de um carpinteiro chamado José, e de uma mulher chamada Maria, não seria um grande empresário, ou intelectual, muito menos um político, mas seria conhecido como filho de Deus.
Que estranho, o filho de Deus ser filho de pobres e ignorantes, ficar escondido numa gruta de uma periferia, e ainda mais, ser perseguido pelos políticos de então! O que poderia uma criança judia fazer pela humanidade? Onde estaria escondido seu poder? Com que armas venceria os exércitos? Com que dinheiro mataria a fome de tantos? Qual a sua nova ideologia? Que rei é esse que nasceu numa manjedoura?
É incrível como pôde o Senhor de todo o Universo, o todo-poderoso, ser tão frágil em seu rústico berço, como ele se assemelhou àqueles que poderia ter condenado fulminantemente por suas faltas e pecados. Como quis ele nascer em meio à miséria, quando poderia ser um menino de uma família abastada, sem ter que fugir, nem se esconder? Mas não, Ele não quis isso!
Que mistério profundo é esse?
Só há uma palavra, que pode fazer com que o mais ignorante de todos compreenda e o mais sábio e crítico se cale, uma palavra simples, mas de significado profundo: Amor!
Não um amor carnal e mesquinho, mas um amor semelhante ao que um pai ou mãe tem pelo seu filho, mas num grau muito mais intenso. Um amor semelhante ao de Abraão, que levou seu filho Isaac a um sacrifício, o qual ele não compreendia a razão. Deus não pediria o sacrifício do filho de Abraão (o qual o próprio Deus impediu), se Ele não fosse capaz de sacrificar o seu próprio filho por nós, apenas por Amor!
Escrito no Natal de 2001

10 de outubro de 2009

A Alquimia musical-literária de Raul Seixas


Raul Seixas, o Raulzito, é daqueles fenômenos raros como o cometa Halley, que só acontecem de tempos em tempos e ainda assim deixam suas marcas de forma duradoura por longo tempo. Raul foi mais do que se costuma pensar, um cantor e compositor brasileiro com letras criativas acrescidas de uma postura e visual extravagante para sua época. Ele foi um grande pensador que conseguiu fazer uma reflexão irreverente sobre nossa identidade nacional e, ao mesmo tempo, conduzir-nos a meditação sobre os grandes problemas que intrigam todo ser humano.
Raul dos Santos Seixas (Bahia, 1945-1989) desde cedo demonstrou ser uma pessoa curiosa e irreverente. Sua paixão pela leitura e pela escrita deu como resultado uma obra musical ímpar que une de forma primorosa uma poesia incrível e ao mesmo tempo uma profundidade filosófica rica de metáforas e alegorias. Entre as grandes influências que podemos perceber na obra de Raul podemos citar: os grandes poetas brasileiros, entre eles o poeta paraibano Augusto dos Anjos, a Filosofia em geral, em especial do filósofo Nietzsche (1844-1900) e do o anarquista francês Joseph Proudhon, o pensador e mago inglês Aleister Crowley (escritor do Liber Oz ou O livro da Lei, Crowley era admirado pelo poeta português Fernando Pessoa, e cognominado a ‘Besta do Apocalipse’), os grandes livros da humanidade, tais como a Bíblia, o Tao Te King, o Alcorão e o Baghavad Gita (do épico hindu Mahabharata). A paixão de Raul Seixas pela literatura e sua vontade de escrever foram obscurecidas pelo seu talento musical, o qual segundo ele era apenas um veículo ou uma desculpa para revelar suas idéias. A obra musical de Raul Seixas pode ser comparada a uma enciclopédia de conhecimentos sobre a vida, onde cada música traz uma ou mais temáticas que dão o que pensar, com temas que vão desde o amor, a morte, a loucura, a utopia de uma nova sociedade, em suma, a cultura de sua época transformada em poesia filosófica.
Raul é o resultado alquímico de tudo que ele assimilou em termos de cultura popular, cultura erudita e contracultura. Ele é um dos baby boomers, ou seja, os bebês nascidos na era da bomba nuclear, aqueles que viveram numa época de transformações profundas nos costumes, na sociedade, na economia, no amor, etc. Ele viveu intensamente as décadas de 50 (época do surgimento do rock n roll, a expressão mais radical da revolução jovem), 60 (época do surgimento da guerra fria e das mudanças tecnológicas, além da revolta contracultural, dos hippies e do maio de 68), 70 (época da guerra do Vietnã, da discoteca, dos punks e do auge da Ditadura Militar no Brasil) e, por fim, da década de 80 (segundo ele mesmo, uma “charrete que perdeu o condutor”), uma década de ilusões perdidas, do fim da Ditadura Militar, da queda do muro de Berlim, do fim das ideologias e das utopias e da URSS.
Diante de tudo isso, podemos compreender que a obra de Raul Seixas tem múltiplas facetas e revela o alcance de suas idéias, que em geral se encontram muito à frente de sua época. Podemos dizer, sem sombra de dúvida, que nenhum outro compositor-cantor brasileiro chegou a tal nível de reflexão, não apenas sobre si mesmo, mas em relação ao seu próprio país e ao ser humano em geral. Sua obra é autenticamente brasileira, mas nem por isso deixa de levantar questões universais.
Que me perdoe o mago e escritor Paulo Coelho, mas Raul Seixas é verdadeiramente nosso mais autêntico alquimista, no qual poucos conseguiram encontrar a pedra filosofal!


O Sertão é um mar
Dedicado a Antonio Conselheiro


O Sertão é um mar
De ossos, destroços
Desgostos, desânimo.

O Sertão é a seca
Encarnada, descarnada
Sem vida, sem água.

O Sertão é a morte
A falta, a ânsia
O calor, a dor.

O Sertão é o inferno
Sem fim, eterno
É a vítima, o algoz.

O Sertão é um mar
O Sertão somos nós.
O diálogo na era do Messenger
Desde tempos imemoriais que o ser humano procura formas diversas de comunicação, iniciando provavelmente pelos gestos, por sons ininteligíveis, sinais, palavras, pelo diálogo, cartas, e-mails e, atualmente, surge o Messenger como uma nova ferramenta da comunicação humana.
É óbvio que o Messenger é uma forma de diálogo, porém com suas peculiaridades e determinado pelas condições e características da sociedade da informação. Como sabemos, o diálogo é a relação comunicativa de duas ou mais pessoas, a palavra diálogo vem do grego ‘diá’, através de, e ‘lógos,’ palavra, isto é o diálogo é interação pela palavra, é distinto do monólogo, a não escuta do outro, por isso o diálogo compõe-se do escutar e do falar, é inter-relação, abertura ao outro. Não é possível diálogo sem essa interação com o diferente. Em relação ao Messenger e partindo do pressuposto que há várias formas de dialogar, nos perguntamos: que tipo de diálogo é ele? Seria o Messenger uma forma de diálogo plenamente transparente? As pessoas envolvidas nessa forma de diálogo percebem as conseqüências do uso da tecnologia nas relações humanas? Compreendem que a distancia promovida pela internet afeta a maneira de se relacionarem? Apesar de estas questões parecerem um tanto estranhas para quem usa tal instrumento, devemos dizer que o uso do Messenger está inserido numa forma de sociabilidade e convivência própria de nossa era, ou seja, vivemos numa sociedade da rapidez da informação, da busca do lucro e do prazer desenfreado, onde as relações tendem a ser superficiais, onde os interesses se movem mais pela satisfação egoísta do que pelo bem comum.
Resumindo, vivemos numa sociedade espetacularizada, individualizada, hedonista e superficial, onde as pessoas estabelecem relações de amizade do tipo acumulativa (exemplo disso são as amizades ‘adicionadas’ pelo Orkut). A maneira de dialogar não escapa a estas condições impostas pela sociedade pós-moderna e nos levam a crer que na ausência do contato face a face, no distanciamento provocado pelo uso da internet, como uma forma de máscara, onde as pessoas dizem aquilo que não diriam num diálogo face a face, olhando nos olhos do interlocutor, por isso este recurso pode levar as pessoas a fingirem algo que não são. É uma espécie de lugar mágico, onde se pode dizer na intimidade da internet todos os segredos que não podem ser revelados a luz do dia. O Messenger permite dar asas a imaginação, mas também pode se tornar um refúgio onde as pessoas podem revelar suas piores perversões sociais. Prova disso é o espaço que ele ocupa nos encontros virtuais de pedófilos com crianças, de psicopatas com suas vitimas, de indivíduos mal intencionados com suas presas inocentes.
Pena que o uso de tais recursos geralmente suplanta o encontro das pessoas no face a face, na transparência do diálogo, onde nada pode ser completamente fingido, pois podemos perceber no olhar do outro suas expressões. É claro que o Messenger não opera apenas como instrumento do mal, ele tem sua importância, a qual poderia ser promovida através da sinceridade, do diálogo franco, sem mascaras e subterfúgios, onde somos nós mesmos.
A Amizade em tempos de Orkut

A amizade é um dos maiores bens que o ser humano pode possuir. Ela é uma forma de amor não sexual que faz com que as pessoas aproximem-se umas das outras de forma a partilharem diversos bens. Podemos dizer que uma vida sem a companhia de amigos não é digna de ser vivida, pois os amigos são aqueles que compartilham conosco tanto as alegrias quanto as tristezas da vida. Não é a toa que até para fazer o mal os homens buscam a companhia de comparsa que na verdade pé uma espécie de amigo, muito embora seja repulsivo a nós pensar em amigos fazendo o mal. Diz o ditado que é melhor ter amigo na praça do que ter dinheiro no banco, mas será que isso continua sendo verdade no mundo ultra-capitalista em que vivemos?
Os gregos e os romanos, por exemplo, prezavam muito este sentimento a ponto de se tornar um verdadeiro problema filosófico como podemos conferir nas obras Lísis, um diálogo de Platão, e Ética a Nicômaco, de Aristóteles, onde há um capitulo inteiro dedicado a essa questão, também podemos citar Epicuro, celebre por sua comunidade de amigos, bem como os romanos Cícero e Sêneca que também escreveram sobre o assunto. Segundo Aristóteles, a amizade é a existência de uma alma em dois corpos. Em grego a amizade se chamava philia, este termo deu origem a vários outras, tais como, filantropia, filosofia, etc. Mas afinal de contas o que é ser amigo? Existem vários tipos de amizade ou apenas um só? Como devemos pensar a amizade no mundo pós-moderno? Como se compreende a amizade na era da informática? Qual o papel do Orkut na constituição da amizade hoje?
As amizades no mundo de hoje tendem a ser em geral superficiais devido a rapidez e a dinâmica do mundo de atual, com suas megalópoles e metrópoles, nas quais as pessoas vivem num ritmo frenético e apressado. Como encontrar tempo para fazer amigos? E mais ainda, para conhecê-los, cultivar as amizades e distinguir os verdadeiros dos falsos amigos? Como dizem os chineses, os amigos não são feitos, mas descobertos. Seria possível pensar desta forma hoje? Será que nós conseguimos descobrir os verdadeiros amigos nesse emaranhado de pessoas a nossa volta? Existe atualmente um novo tipo de serviço, composto pelos chamados personal friends, amigos contratados para servirem de companheiros, para pessoas que não tem tempo de fazer amigos (executivos e pessoas que vivem mudando de cidade), mas precisam de um ombro amigo para chorar suas magoas e compartilhar alegrias.
Diante de tantas questões surge a internet com suas seduções e facilidades, uma delas é o chamado Orkut. O Orkut é uma forma de virtualizar as amizades, levando a amizade para o mundo digital, são as chamadas redes de relacionamento. O Orkut foi criado em 2004 pelo engenheiro turco da Google, Orkut Büyükkokten. Atualmente é a rede social mais popular no Brasil, com 23 milhões de membros (51 % dos usuários do Orkut é brasileira). Nele as pessoas encontram velhos amigos, descobrem novos, partilham interesses, criam grupos e dividem idéias. Mas, podemos nos perguntar, até que ponto as pessoas que estão nessa rede de amigos virtuais são verdadeiros amigos? Por que substituir as amizades nascidas do convívio real por amigos virtuais, muitos dos quais não passam mesmo de amigos virtuais? E os chamados fakes aqueles que criam perfis falsos e se fazem passar outras pessoas para enganá-las?

Publicado em O Povo, Jornal do Leitor