28 de julho de 2013

Paulo em Atenas, encontro da fé cristã com a filosofia

O discurso de Paulo em Atenas (Atos 17,16-34) é um dos primeiros textos em que se trata diretamente da relação entre gregos e cristãos. O discurso é emblemático, pois representa o primeiro encontro entre filosofia e fé cristã. Pretendemos de forma breve expor em que condições se deu este encontro e como ele serve de paradigma para compreender melhor a relação entre fé cristã e sabedoria grega.
Entre as missões de Paulo destacamos o encontro entre ele e os filósofos gregos na Praça de Atenas, o qual será paradigmático e decisivo em relação a estas duas culturas. Paulo foi um conhecedor da cultura clássica como podemos perceber em suas Cartas, onde cita autores e faz uso de esquemas de pensamento próprios da cultura helenística. Como exemplo disso, citemos a passagem em que o apostolo faz referencia a uma passagem da obra Fenômenos de Arato, poeta da Cilicia (sec.III a.C), sobre a descendência divina dos homens: “Pois somos também de sua raça” (Atos 17, 27-29), além de Cleanto, discípulo de Zenão (331-232 a.C.) em seu Hino a Zeus. Mesmo assim é de se notar as criticas de Paulo ‘a filosofia’ ou sabedoria humana (1 Cor 1, 17-31), que termina em querelas de palavras e tradições humanas.
Na Carta aos Colossenses (cap.2,8), Paulo diz: “Tomai cuidado para que ninguém vos escravize por vãs e enganosas especulações da filosofia, segundo a tradição dos homens, segundo os elementos do mundo, e não segundo o Cristo”. O uso do termo ‘filosofia’ em Colossenses não diz respeito ao que comumente se denomina filosofia, mas às seitas, heresias ou grupos ideológicos de então, o próprio texto da Carta nos permite entrever os sincretismos que se baseavam na adoração aos anjos e elementos da natureza, o que não corresponde a mentalidade filosófica dos primeiros filósofos. O discurso em Atenas se dá por volta do ano 50-52 d.C., no Areópago de Atenas, onde Paulo percebe o temor supersticioso (deisidaimonia) dos gregos, pois havia imagens para todas as divindades, incluindo uma dedicada ao “Deus desconhecido”. O texto de Atos começa assim: “Enquanto Paulo os esperava em Atenas seu espírito se inflamava dentro dele, ao ver cheia de ídolos a cidade. Disputava, por isso, na sinagoga, com os judeus e os adoradores de Deus; e na Ágora, a qualquer hora do dia, com os que a freqüentavam. Até mesmo alguns filósofos epicureus e estóicos o abordavam. E alguns diziam: ‘Que quer dizer esse palrador?’ E outros: ‘Parece um pregador de divindades estrangeiras’. Isto, porque ele anunciava Jesus e a ressurreição” (cap.17,16-18). É partindo desse “Deus desconhecido” que Paulo resolve desenvolver seu discurso, conclamando os gregos a conversão ao Deus único criador de todas as coisas. O final do discurso apresenta o descrédito dos gregos em relação à ressurreição que, como disse Jesus, é o grande sinal dos cristãos, o sinal de Jonas (Lc 11,29-32). O anuncio da ressurreição soa estranho para os gregos que ou acreditavam na transmigração como os órficos, pitagóricos e platônicos, ou não acreditavam em vida posterior a morte, como pensavam os filósofos atomistas e epicuristas. A crença na ressurreição dos mortos é uma crença judaica e cristã, muito embora os judeus saduceus não acreditassem nela, pois sua leitura literal da Torah não atinava para isso. Já os pagãos não acreditavam nessa possibilidade ou nem mesmo imaginavam-na.
Pelo que podemos perceber a doutrina judaico-cristã da ressurreição é escândalo para os gregos, que mesmo curiosos ao discurso de Paulo, acabam por ignorar esta doutrina que depende inteiramente da fé, não sendo objeto de investigação racional, nem cientifica, mas que abre uma nova perspectiva para a relação entre o Deus e o homem, na medida em que ao partilharmos da redenção por meio de Cristo somos alçados a condição de filhos de Deus e partícipes de sua natureza.


29 de junho de 2013

Raul Seixas e 'Os Números'


Os números governam o mundo”. Esta frase sintetiza de modo admirável uma forma de saber que tem sido tão esquecida no mundo atual. No mundo antigo o filosofo grego Pitágoras (séc.VI a.C.) criou uma escola em que os números eram vistos como a ‘arkhe’ (o principio) da realidade, ‘tudo é numero’ diziam os pitagóricos.
O cantor-compositor Raul Seixas escreveu a musica ‘os números’ para mostrar como os números estão presentes no nosso dia a dia, mas não são os números da economia ou da matemática financeira, o que ele queria revelar era uma forma de matemática mais importante, a matemática simbólica, não de quantidades, mas do aspecto qualitativo dos números. Essa forma de matemática simbólica muitas vezes é vulgarizada com o nome de numerologia. ‘Os números’ talvez seja uma das musicas mais simples e enigmática do Raulzito, pois na sua simplicidade aparente ela nos leva a uma reflexão filosófica do aspecto numérico da realidade.
A musica é um baião no bom estilo nordestino, ritmo contagiante que não deixa ninguém parado, numa cadencia irresistível. Nela Raulzito segue uma sequencia de números que parece aleatória, mesmo partindo do numero 1 (um), segue o 2 (dois), o 4 (quatro), o 7 (sete) e o 12 (doze). Nestes números simbólicos se descobre um mundo de relações que não são apenas de quantidade, mas de qualidade. Os antigos hebreus tinham um respeito profundo pelos números e os consideravam os arquétipos (modelos) da realidade, para isso criaram um método de interpretação dos números, a guematria, que faz parte da kaballah (tradição oral), nela cada numero tem seu significado, o qual pode ser comparado as idéias pitagoricas.

Na musica podemos fazer algumas relações, por exemplo, o numero 1 é a unidade, o principio de todas as coisas, a origem de tudo, Deus, o 2 é a separação, a divisão, o mal(?), e tudo que faz a diferença e que se opõe, o 4 é o equilíbrio, o ponto fixo, o que abrange todos os elementos, os pontos cardeais, o sete é a plenitude, o descanso, a realização e o ápice, e finalmente o 12, que tem significado especial para os hebreus, as doze tribos de Israel, os doze apóstolos, as doze estrelas do apocalipse e representa a multiplicação do 3 pelo 4. Enfim, nestes cinco números se revela o segredo universal, religioso e profundamente místico em que Raul Seixas quis mostrar de uma forma simples o que há por trás das aparências e das coincidências, ele que com doze anos já desconfiava da verdade absoluta.

16 de abril de 2013

Torcidas ‘organizadas’ x Estado desorganizado


O que estamos vendo nesses últimos meses é digno de nota, no que diz respeito à questão do futebol brasileiro. Já não bastasse os cartolas, os conchavos e a multimilionária industria do futebol nacional e internacional, bem como a copa que se aproxima, agora um novo tópico relacionado a isso vem a tona, a violência das torcidas ‘organizadas’.
Dizer que os torcedores são vândalos ou bandidos travestidos de torcedores, não resolve o problema e, na verdade, põe pra debaixo do tapete a verdadeira questão. Quem são esses novos gladiadores que não estão mais no interior do coliseu (arena de luta), mas do lado de fora? Qual a razão de sua revolta? O que escondem tanta ânsia de violência?
As chamadas torcidas organizadas (grosso modo) são agremiações que tem como meta a organização dos torcedores e a articulação interna de seus interesses, mas o que estamos vendo é a transformação desta instituição em uma verdadeira caixa de ressonância de outros problemas sociais que só então passam a ter relevância, uma vez que ferem os interesses da grande indústria do futebol e da copa. O que estamos presenciando todo dia não é apenas a invasão de vândalos no interior das torcidas organizadas, como se apregoa nas mídias, mas o reflexo da fragilidade de nossa sociedade e do Estado, de dar conta de conflitos internos que surgem em diversos âmbitos, seja na segurança publica, no transporte, e inclusive no esporte.
As formas de controle usadas pelo Estado se mostram ineficientes para diminuir o impacto de sua fúria. A insatisfação de toda uma sociedade se manifesta não apenas em passeatas e greves, mesmo nesse encontro entre torcidas rivais vemos a violência na sua forma mais confusa, pois como entender que aqueles que vão a uma partida de futebol precisem se digladiar ao fim do jogo? Antes de tudo deve-se ter em mente que o esporte é nada mais que uma virtualização da violência, a velha historia do ‘jogo limpo’ (‘fair play’) é uma maneira indireta de dizer que o esporte promove violência, por isso se exige o tal ‘jogo limpo’, os times ou seleções encarnam todas as expectativas de uma guerra, aqui as nações são representadas pela seleção que vai ao campo de guerra derrotar o ‘inimigo’. As torcidas se tornaram o espaço onde essa ‘guerra virtual’ se realiza efetivamente, embora o esporte precise seguir as regras. Todo o contingente de frustração social, ódio pelo diferente e pelo outro, encontra agora uma nova válvula de escape, as brigas entre torcidas rivais, não é apenas o que aparece imediatamente aos olhos, mas todo o conjunto de fatores não evidentes, mesmo que inconscientes.
Esperar que uma copa do mundo ou uma partida de futebol seja o espaço de ‘paz e amor’, de pura inocência esportiva é não entender bem a regra do jogo. O que acontece nos estádios e fora dele é reflexo de toda nossa sociedade, um dado que devia ser levado em conta antes de apenas reprimido. Nosso vandalismo de cada dia é escondido da grande massa de expectadores, mas não é menos letal, porque sutil.

27 de janeiro de 2013

As Igrejas da Prosperidade

A Teologia da Prosperidade é o nome dado a um movimento neopentecostal que tem como meta principal colocar a prosperidade como meta do cristão e resultado das bençãos dadas por Deus como sinal de uma aliança com ele. Os grandes exemplos de igrejas seguidoras desta forma de teologia são a Igreja Universal do Reino de Deus, a Igreja Internacional da Graça de Deus, a Igreja Mundial do Poder de Deus, Renascer em Cristo, entre outras.
Esta linha de pensamento teológico é aparentemente recente, teria surgido com o neopentecostalismo (fins do século XX), mas finca suas raízes nas origens do protestantismo, em especial com Lutero e Calvino (Séc.XVI). Com Lutero há uma ruptura não apenas em relação a doutrina e liturgia católica, mas também em relação a concepção de trabalho, que na Idade Media era visto como sacrificio e castigo (a origem da palavra trabalho em latim é tripalium, nome de um intrumento de tortura), passando agora a ser interpretado como 'vocação' (Beruf, em alemão tanto significa trabalho como vocação), ou seja, em seu trabalho, em sua profissão, o homem é chamado por Deus para contribuir com seu Reino, uma especie de releitura da parábola dos talentos. João Calvino por sua vez, destaca em sua obra Institutas, a questão da predestinação, ou seja, Deus teria escolhido de antemão aqueles que serão salvos e os que se danarão no fogo eterno, para os burgueses calvinistas, a prosperidade financeira é o sinal da eleição divina que cumula seus seguidores de bens materiais. Max Weber (sociólogo alemão, séc.XIX-XX), em sua obra A Ética protestante e o espirito do capitalismo, desvenda de forma clara como a concepção protestante de trabalho unida ao ascetismo e a parcimonia dos fieis burgueses levou necessariamente ao desenvolvimento do sistema capitalista na Europa e na América, esta ultima como grande reduto dos puritanos ingleses que tem na economia e no empreededorismo uma marca, exemplo disso foi o inventor americano Benjamin Franklin que criou a frase "tempo é dinheiro".
As igrejas que hoje seguem esta linha de pensamento funcionam como agências que levam os fieis ao empreedimento e a busca de riqueza, como forma de demonstrar que são agraciados por Deus, muitas vezes como um desafio, onde Deus é representado como 'o dono de todo ouro e prata' e que pela sua propria palavra sagrada seria o responsável em atender as demandas financeiras de seus fieis. A fé e o sacrificio pecuniario tornam-se a moeda corrente que obriga Deus a distribuir bens como recompensa. As grandes campanhas realizadas por estas igrejas tem como foco principal a garantia de resultado, de sucesso, de prosperidade, onde os bens materias tem a prioridade. Muitas vezes argumenta-se que o fiel como filho de Deus é indigno de viver na miséria, mas ao invés de apresentar as reais causas da miséria, isto é, a acumulação de riqueza e a má distribuição de renda, coloca como causa desta miséria algo sobrenatural, como possessão demoníaca, maldição familiar e até mesmo, a falta de fé (?). Esta prática é perniciosa por transformar a riqueza no sumo bem do cristão, sendo contrária mesmo ao Evangelho que diz "não levem bolsa nem alforge" (Lc 9,3), ou "o amor do dinheiro é a causa dos males" (1 Tim 6,10), ou ainda "não se pode servir a dois senhores, a Deus ou ao dinheiro (Mamom)", ou finalmente o conselho de Jesus ao jovem rico "se queres ser perfeito, vai vende teus bens e dá aos pobres, depois segue-me" (Lc 18,18-23). Tal teologia da prosperidade não admite que o cristão possa sofrer ou ser pobre, ser pobre é interpretado como uma maldição, ou seja, o contrário do que diz o Cristo que "o reino de Deus pertence aos pobres", o proprio Cristo foi ironicamente vendido por trinta moedas de prata (Mt 26,15).
É óbvio que esta linha de pensamento se coaduna perfeitamente não só para a sociedade tardo-capitalista em que vivemos, mas também se enquadra ao tipo de fiel que esta sociedade criou, o fiel egocêntrico, hedonista, individualista, imediatista, que vê a igreja como clube social ou shopping da fé, onde se paga para assistir um show ou espetáculo de curas e milagres. Este fiel não tem ilusões em relação a transformar a sociedade, na verdade sua ideologia é a de que deve-se 'converter' outros ao mercado da fé, pois só assim os males da miséria e da pobreza acabarão. Para ele, todos tem o direito de ser felizes e ricos, mas apenas os verdadeiros fieis é que se enquadram nesta categoria.
O dízimo, ao invés de ser uma forma de suprir as necessidades da comunidade, isto é, uma forma de redistribuição social da riqueza, torna-se um instrumento de lucro torpe (1 Tim 6,5). No mercado da fé há espaço para diversas igrejas, principalmente para aquelas que sabem usar o marketing e a mídia, transformando pessoas infelizes e depressivas em verdadeiros consumidores para a glória do capital!

16 de janeiro de 2013

Jonas, um profeta relutante


Profeta (em hebraico, nabi) é aquele que anuncia e proclama a Palavra e a Vontade de Deus; em Israel Moisés é considerado o grande profeta e modelo de todos, mas ele mesmo aponta para um profeta maior, Jesus Cristo, o novo Moisés. Na Bíblia (Antigo Testamento) são citados grandes profetas além de Moisés, tais como Elias, Eliseu, Natan, além dos profetas chamados maiores, e os doze profetas menores. A função dos profetas é denunciar a injustiça e apontar os caminhos do direito e da justiça como vontade de Deus.
Jonas, filho de Amati (Jn 1, 1), é um dos doze profetas menores, a obra que tem seu nome por titulo é importante e singular entre os demais profetas, e até Jesus a cita (Mt 12,38-42; Mc 8,11-12; Lc 11, 29-32) ao se referir ao sinal de Jonas, que ficou 03 dias na barriga de um peixe, usando-a como metáfora da sua ressurreição. O livro de Jonas foi escrito no final do período persa (por volta de 538-333 a.C.), não é um livro histórico, mas uma novela com conteúdo sapiencial, pois ele não pretende falar sobre algo que aconteceu, mas dar um ensinamento sobre a universalidade da salvação de Javé, em oposição à visão exclusivista e nacionalista judaica do período pós-exílio, a qual não aceitava que os povos estrangeiros pudessem ser salvos e perdoados por Javé, pois considerava que apenas o povo de Israel era o povo eleito, temos como paradigma disso os escritos de Esdras (398 a.C) e Neemias (450-350 a.C).
Jonas é enviado por Javé para pregar o arrependimento e a conversão na grande cidade de Nínive. Nínive é a capital da Assíria, grande império que predominou no século VIII a.C. e que representava para os judeus o paganismo, a violência e a injustiça. Jonas deve ir à grande cidade e proclamar o arrependimento aos ninivitas, que prontamente se convertem, o próprio rei proclama um decreto de conversão. Jonas, porém, revolta-se porque Javé desiste de destruir a cidade, numa atitude individualista e autoritária. Este é o grande desafio da Igreja hoje, ir às grandes cidades, aos centros urbanos, as metrópoles, a mensagem do Evangelho deve ser proclamada nos grandes espaços, nas cidades, metrópoles, praças, meios de comunicação. Quantas dificuldades nos aguardam, mas ao mesmo tempo, quantas esperanças enchem o nosso coração de entusiasmo! Vivemos em cidades grandes, cheias de problemas, mal administradas, sujas, poluídas, doentes, onde impera a violência, as drogas, o descaso pela vida, onde há muitas tentações, muitos falsos caminhos que iludem as pessoas.
É para estas grandes cidades, das quais queremos muitas vezes fugir, como o profeta Jonas, que Deus nos envia para convidar a conversão e proclamar o perdão dos pecados e a salvação.