30 de outubro de 2012

São Jorge da Capadócia



Uma falsa polêmica foi criada recentemente por conta da novela global “Salve Jorge”, o personagem cujo nome dá o titulo a novela, Jorge da Capadócia (sec.IV) tem sido confundido por grupos pseudo-evangélicos com o orixá Ogum do Candomblé. Pretendemos esclarecer o mal entendido, sem descaracterizar a imagem do soldado cristão da Capadócia, nem estigmatizar o Orixá africano que foi sincretizado no período da escravidão no Brasil.
Jorge da Capadócia (Turquia, sec.IV) foi soldado romano do exercito de Diocleciano, assim como São Sebastião de Narbona, ambos foram descobertos como cristãos e perseguidos e torturados pelo imperador romano que não tolerava o Cristianismo. Em 303, Diocleciano havia publicado um decreto que obrigava a todo soldado oferecer sacrifício aos deuses romanos, Jorge foi até o imperador defender sua causa enquanto cristão, o imperador tentou convencê-lo de todas as formas, oferecendo presentes e, depois o torturando, até mandar degolá-lo em 23 de abril de 303. Há varias cidades no mundo que o proclamam padroeiro e tem igrejas a ele dedicadas na Inglaterra, Portugal, Lituânia e até no Rio de Janeiro. A lenda que liga São Jorge a defesa de uma donzela contra um dragão é derivada de baladas medievais de origem inglesa, sem nenhum fundo de verdade, havia duas versões que supunha a lenda de um dragão que aterrorizava certa região e demandava o sacrifício de uma virgem para satisfazer suas vontades. Da mesma forma não tem fundamento a ideia de sua imagem refletida na lua, que não passa de uma crendice brasileira.
A Religião Africana, por sua vez, é bastante diferente do Cristianismo. Há varias nações africanas com costumes distintos, além de mitos e crenças diferentes entre si. Os povos africanos não têm livros sagrados, nem sacerdotes especializados ou templos. Sua religiosidade está centrada nos mitos, ritos e sacrifícios de animais. Nesse sentido, não há dogmatismo ou ortodoxia. O Candomblé brasileiro é uma crença trazida pelos Iorubás, os quais, além de um ser supremo, Olorum, acreditavam em seres intermediários, os Orixás, entre os quais fizemos referencia a Ogum. Ogum é o orixá ferreiro, que forjava suas armas para caça, agricultura e a guerra, ele é considerado um dos primeiros orixás a descer dos céus a terra. É filho de Oduduwa e Yembo, irmão de Xangô e Oxossi, dono dos caminhos e encruzilhadas como seu irmão Exu. Os negros escravizados no Brasil não eram necessariamente devotos de São Jorge, pois camuflavam sua verdadeira crença usando a figura do santo católico. Como podemos ver, não há nenhuma relação entre a figura de São Jorge com o orixá Ogum, o sincretismo é puramente acidental, uma vez que foi uma forma dos africanos escravizados no Brasil salvaguardar suas crenças e sua religião, identificando o orixá dos metais com o santo.
Os grupos pseudo-evangélicos, que citamos anteriormente, na verdade são grupos fundamentalistas carentes de qualquer formação religiosa, pois usam textos da Bíblia indiscriminadamente e fora de contexto e costumam atacar qualquer forma de religião que não compartilhe de suas falsas conclusões. Geralmente são dirigidas por ‘gurus carismáticos’ que aparentam conhecer as ‘artimanhas diabólicas’ e em tudo aventam teorias conspiratórias para justificar sua paranoia e alimentar seus bolsos. 

25 de setembro de 2012

O ocaso do futebol


A Copa de 2014 será um evento que consagrará definitivamente na história do Brasil a função ideológica e política do futebol. O futebol desde suas origens tem se apresentado como esporte marginal, já na Idade Média, na Inglaterra era muito mal visto. Em nosso país não foi diferente, no século XIX o futuro ‘esporte das massas’ começou como uma brincadeira sem nobreza exercida por pessoas das classes economicamente inferiores. Na década de 70, o esporte subalterno mexeu até mesmo com os rigores da ditadura, e com a copa do México em 1970 consagra-se como propaganda de um país que vivia suposto ‘milagre’ econômico, apesar da repressão e dos homicídios.
Pouco mais de 30 anos depois vemos o futebol bater todos os recordes, tornou-se massificado, assimilado pela lógica do capital é uma força ideológica que rende fortunas. A FIFA tem mais países afiliados que a própria ONU, os jogos entre países historicamente rivais encerram em si uma simbólica guerreira que desvia para os gramados todos os grandes problemas da nação. No Brasil a coisa não é diferente, nosso país se orgulha de nunca ter ficado de fora de uma copa do mundo, de ser hexa campeão, de ter o futebol arte, de exportar craques para todo o planeta, muito embora não tenhamos resolvido as questões mais básicas de um país em desenvolvimento, o qual espera de uma copa do mundo a solução de nossos problemas sociais. Ironicamente não somos mais os ‘donos da bola’, ela agora corre em outro rumo, são nos gramados da Europa onde nossos meninos prodígios desfilam como modelos e manequins.
Quando estão aliados a politicagem, a corrupção e o futebol tudo se torna ainda mais desastroso. O futebol ‘arte’ perdeu seu pudor e virou meio de enriquecimento de muitos cartolas que controlam os horários dos jogos, as transmissões, entre outras coisas. Os politiqueiros de plantão descobriram que o filão do futebol é uma forma muito cômoda de assegurar um rendimento extra, do tipo caixa dois, já não bastasse as inúmeras modalidade de falcatruas que conhecemos.
A Copa de 2014 será mais do que a Copa do Brasil, será a Copa do jeitinho brasileiro, com direito a dribles na fiscalização, gols de placa de impunidade, principalmente em um país onde se investe mais em um único esporte, sem justificativa clara, deixando de lado uma imensa maioria de outras modalidades tão importantes, e mais ainda onde se abandona ao descaso a própria educação. Parece que estamos vivendo o fim do futebol de verdade. Façamos também uma Copa para a Educação antes que seja tarde demais! 

Caminhos da Filosofia no Ceará

       

       A Filosofia tem mais de dois mil anos e sua história nos conduz pelos caminhos da razão que se revela em dimensões diversas e ao mesmo tempo se corrige diante das limitações históricas. Desde os gregos, a Filosofia sempre foi vista com reticência por parte daqueles que detêm o poder e exercem-no em favor próprio. Nesse sentido ela tem servido como antítese do autoritarismo e do dogmatismo.
     No Ceará podemos destacar, entre os mais expressivos pensadores, Vicente Candido Figueira de Sabóia (Sobral, 1835-1909). Formado em Medicina no Rio de Janeiro, autor da obra “A vida psíquica do homem”, além do jovem Raimundo Antonio da Rocha Lima (Maranguape, 1855-1878) considerado um jovem prodígio do pensamento cearense, infelizmente tolhido muito cedo aos 23 anos, sua única obra publicada foi “Crítica e Literatura”. Também merece destaque, Clovis Bevilácqua (Viçosa, 1859-1944), formado pela Faculdade de Direito do Recife, autor das obras “A Filosofia positivista no Brasil”, “Conceito antigo e moderno de Metafísica”, “História da faculdade de Direito do Recife”. Clóvis foi um destacado jusfilósofo e responsável pelo Código Civil em 1911.
     A grande referência da filosofia cearense e brasileira foi realmente Raimundo de Farias Brito (São Benedito, 1862-1917), nascido em São Benedito, fez seus primeiros estudos em Sobral, mas com a seca teve de mudar-se com a família para Fortaleza, onde completou o curso secundário, além de dar aulas particulares; foi depois ao Recife onde fez o curso jurídico na famosa Escola do Recife, onde ensinava Tobias Barreto. Fez parte de algumas agremiações literárias importantes do final do século XIX no Ceará, como o 'Clube Francês, além publicar diversos artigos e poemas em jornais cearenses como 'A Quinzena'. Após isso regressou ao Ceará onde atuou como professor em Aquiraz e Viçosa. Publicou o livro A Finalidade do Mundo (1895) em três volumes, o primeiro é “a filosofia como atividade permanente do espírito”, o segundo “os dois grandes métodos da filosofia moderna” e o terceiro “teoria da finalidade”, depois foi ao Rio e ao Pará, atuando como advogado, promotor e professor da Faculdade de Direito de Belém. Em 1909 vai definitivamente para o Rio de Janeiro. Ali faz concurso para professor de Lógica, tirando o primeiro lugar, mas foi preterido por Euclides da Cunha, autor de 'Os Sertões', tomando posse após a morte deste, na mesma cadeira no Colégio Pedro II. Farias Brito publicou ainda 'A verdade como regras das ações' (1905), 'A Base Física do Espírito' (1912) e 'O Mundo Interior' (1914), além destas restam ainda um volume com seus 'Inéditos e Dispersos'. Faleceu em 1917.
    Já século XX destacamos, Alcântara Nogueira (Iguatu, 1918-1989), reconhecido especialista em Spinosa e insigne professor das universidades UFC, FAFICE e UECE. Entre suas obras citamos “O método histórico-crítico de Spinoza”, “Conceito e ideologia da Escola do Recife”, “Poder e Ideologia”. O Ceará também é conhecido pelos grandes especialistas na filosofia de Hegel, tais como o Professor Djacir Lima Menezes (Maranguape, 1907-1996), formado pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Principais obras “Teses quase hegelianas”, “Evolucionismo e Positivismo na critica de Farias Brito”, “Filosofia do Direito”, “Motivos alemães”, “Hegel e o filosofia soviética”, também não podemos esquecer da figura eminentíssima do Padre Paulo Gaspar de Meneses S.J.(Maranguape, 1924-2012), tradutor das principais obras do filósofo alemão (Fenomenologia, Enciclopédia, Filosofia do Direito), além do Professor Manfredo Araújo Oliveira (Limoeiro do Norte, 1941) um dos maiores especialistas na Filosofia  alemã moderna (em especial Kant e Hegel) e contemporânea.
       Nos primórdios de nossa história, exerceram um papel importante no ensino de Filosofia no Ceará, a Igreja Católica com o Seminário da Prainha, além de outros Seminários cearenses importantes, bem como a Faculdade de Filosofia do Ceará (FAFICE), e atualmente, seus herdeiros, a faculdade de Filosofia da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e o curso de Filosofia da Universidade Federal do Ceará (UFC), ambas oferecem curso de mestrado em Filosofia.

26 de fevereiro de 2012

Bíblia e Homossexualidade



Falar sobre as relações entre Bíblia e homossexualidade é uma tarefa árdua que requer certa preocupação em não usar o texto sagrado para legitimar certas posturas preconceituosas que não levam em consideração o contexto em que determinadas passagens foram escritas, nem muito menos a dignidade da pessoa humana. Por essa razão tentaremos analisar algumas passagens chaves para tornar compreensíveis as referencias a homossexualidade na Bíblia.
A homossexualidade é um fato humano presente em todas as culturas e épocas, não é algo estranho ao ser humano, mas faz parte de sua condição e traz a marca da sexualidade humana, indo além dos supostos ditames biológicos. No mundo antigo, a homossexualidade é uma verdadeira instituição, especialmente se pensarmos nas culturas grega e romana, já entre os povos do oriente próximo torna-se um tanto difícil falar com clareza sobre sua situação, devido a escassez de documentos escritos sobre este tema. No entanto, convém destacar na Bíblia algumas passagens em que temos referencias, mesmo que indiretas, sobre homossexualidade, tais como as que se encontram no Antigo Testamento, em Gênesis e Levítico e, no Novo Testamento, na Carta aos Romanos, textos polêmicos do ponto de vista de nossa compreensão, às vezes apressada e descontextualizada, e que geralmente são evocadas para reforçar posturas homofóbicas.
Vale lembrar que a cultura judaica é androcêntrica, o macho é a referencia pra tudo, é notável que entre os judeus não haja deusas, mas apenas um deus masculino, diferentemente das religiões pagãs do oriente que adoravam figuras femininas tais como Ísis, Astarte, Inana, etc. Atualmente existem tentativas de compreender a Bíblia a partir de uma leitura de gênero que apontam características femininas em Deus em varias passagens, inclusive com referencias maternas. No Antigo Testamento, temos duas passagens mais evidentes que parecem estar relacionadas à homossexualidade, a primeira é de Genesis cap.19, que trata de Sodoma e Gomorra, quando Ló recebe os anjos em sua casa e estes são perseguidos pelos habitantes da cidade que pretendem manter relações sexuais com eles (Gn 19,5, donde o termo sodomita), Ló é obrigado a oferecer suas filhas para tentar satisfazer os homens (Gn 19,8), por fim eles fogem da cidade, que é destruída (Gn 19,24-25). O que se pode concluir dessa passagem, que parece depor contra as atitudes dos sodomitas, na verdade está relacionado à sua atitude indigna em relação à lei de hospitalidade (Gn 19,8-9), algo muito importante entre os povos semitas, em geral povos nômades. A outra passagem está no livro de Levítico (um texto essencialmente litúrgico, destinado aos Levitas e sacerdotes), que trata das relações impuras e abomináveis (‘bdelygma’ em grego, ‘toehbah’ em hebraico que significa ‘falta moral’, e também ídolo, idolatria), entre elas estão o sexo no período menstrual, o incesto, a nudez (Lv 18,6-17), o sexo com animais e as relações homossexuais (Lv 18,22), todas essas relações tornam a pessoa impura diante da liturgia do Templo (algumas são até passiveis de morte), devemos lembrar que muitas práticas religiosas e litúrgicas dos povos egípcios, cananeus e outros (Lv 18,3) incluíam a chamada ‘prostituição sagrada’ derivadas das chamadas religiões da fertilidade, práticas condenadas pela religião javista. É interessante lembrar que a palavra grega ‘orgia’ significa ‘ação sagrada’, também destacamos a identificação, em varias passagens bíblicas, entre idolatria e prostituição.
No Novo Testamento, podemos citar a famosa passagem de Romanos, cap.1, 26-32, a qual tece considerações sobre a questão da idolatria e do paganismo, que levaram os homens a negar o verdadeiro Deus, adorando a criatura em vez do criador, por essa razão os pagãos e idolatras são indesculpáveis, uma vez que a natureza é uma evidencia da grandeza de Deus (Rm 1,21-23), em seguida o texto apresenta as relações homossexuais, e outras, como conseqüência disso (não como causa), ou seja, as relações ‘não naturais’ são o resultado do paganismo (Rm 1,26-27), o que de certa forma relaciona-se com a passagem citada anteriormente de Levítivo, dessa forma percebemos que a homossexualidade não é o tema principal dessa passagem, ela é citada de forma indireta, o que por si só descarta a possibilidade de justificar ou legitimar teses homofóbicas. Convém lembrar que em 1 Cor 6,10, está escrito que “nem os devassos (em grego, pornoi), adúlteros (moikhoi), efeminados (malakoi), sodomitas (arsenokoitoi) herdarão o Reino de Deus”, o que de forma clara nos põe diante de uma critica radical em relação aos que transformam a sexualidade em uma forma de depravação, promiscuidade, perversão ou mesmo ‘prostituição sagrada’, estes segundo o texto não herdarão o Reino de Deus.
Podemos concluir que estes textos citados de forma alguma justificam, nem legitimam as posturas homofóbicas que vemos constantemente nos meios de comunicação, apresentando-se como isentas de ‘impureza’ e ‘pecado’, quando na verdade escondem perversões e preconceitos muito mais imorais do que aqueles que supostamente combatem.