Falar
sobre as relações entre Bíblia e homossexualidade é uma tarefa árdua que requer
certa preocupação em não usar o texto sagrado para legitimar certas posturas
preconceituosas que não levam em consideração o contexto em que determinadas
passagens foram escritas, nem muito menos a dignidade da pessoa humana. Por
essa razão tentaremos analisar algumas passagens chaves para tornar compreensíveis
as referencias a homossexualidade na Bíblia.
A
homossexualidade é um fato humano presente em todas as culturas e épocas, não é
algo estranho ao ser humano, mas faz parte de sua condição e traz a marca da
sexualidade humana, indo além dos supostos ditames biológicos. No mundo antigo,
a homossexualidade é uma verdadeira instituição, especialmente se pensarmos nas
culturas grega e romana, já entre os povos do oriente próximo torna-se um tanto
difícil falar com clareza sobre sua situação, devido a escassez de documentos
escritos sobre este tema. No entanto, convém destacar na Bíblia algumas passagens
em que temos referencias, mesmo que indiretas, sobre homossexualidade, tais
como as que se encontram no Antigo Testamento, em Gênesis e Levítico e, no
Novo Testamento, na Carta aos Romanos, textos polêmicos do ponto de
vista de nossa compreensão, às vezes apressada e descontextualizada, e que
geralmente são evocadas para reforçar posturas homofóbicas.
Vale
lembrar que a cultura judaica é androcêntrica, o macho é a referencia pra tudo,
é notável que entre os judeus não haja deusas, mas apenas um deus masculino,
diferentemente das religiões pagãs do oriente que adoravam figuras femininas
tais como Ísis, Astarte, Inana, etc. Atualmente existem tentativas de
compreender a Bíblia a partir de uma leitura de gênero que apontam
características femininas em Deus em varias passagens, inclusive com
referencias maternas. No Antigo Testamento, temos duas passagens mais evidentes
que parecem estar relacionadas à homossexualidade, a primeira é de Genesis
cap.19, que trata de Sodoma e Gomorra, quando Ló recebe os anjos em sua casa e
estes são perseguidos pelos habitantes da cidade que pretendem manter relações
sexuais com eles (Gn 19,5, donde o termo sodomita), Ló é obrigado a oferecer
suas filhas para tentar satisfazer os homens (Gn 19,8), por fim eles fogem da cidade,
que é destruída (Gn 19,24-25). O que se pode concluir dessa passagem, que
parece depor contra as atitudes dos sodomitas, na verdade está relacionado à
sua atitude indigna em relação à lei de hospitalidade (Gn 19,8-9), algo muito
importante entre os povos semitas, em geral povos nômades. A outra passagem
está no livro de Levítico (um texto essencialmente litúrgico, destinado aos
Levitas e sacerdotes), que trata das relações impuras e abomináveis (‘bdelygma’
em grego, ‘toehbah’ em hebraico que significa ‘falta moral’, e também ídolo,
idolatria), entre elas estão o sexo no período menstrual, o incesto, a nudez
(Lv 18,6-17), o sexo com animais e as relações homossexuais (Lv 18,22), todas
essas relações tornam a pessoa impura diante da liturgia do Templo (algumas são
até passiveis de morte), devemos lembrar que muitas práticas religiosas e
litúrgicas dos povos egípcios, cananeus e outros (Lv 18,3) incluíam a chamada
‘prostituição sagrada’ derivadas das chamadas religiões da fertilidade, práticas
condenadas pela religião javista. É interessante lembrar que a palavra grega
‘orgia’ significa ‘ação sagrada’, também destacamos a identificação, em varias
passagens bíblicas, entre idolatria e prostituição.
No
Novo Testamento, podemos citar a famosa passagem de Romanos, cap.1, 26-32, a
qual tece considerações sobre a questão da idolatria e do paganismo, que
levaram os homens a negar o verdadeiro Deus, adorando a criatura em vez do
criador, por essa razão os pagãos e idolatras são indesculpáveis, uma vez que a
natureza é uma evidencia da grandeza de Deus (Rm 1,21-23), em seguida o texto
apresenta as relações homossexuais, e outras, como conseqüência disso (não como
causa), ou seja, as relações ‘não naturais’ são o resultado do paganismo (Rm
1,26-27), o que de certa forma relaciona-se com a passagem citada anteriormente
de Levítivo, dessa forma percebemos que a homossexualidade não é o tema
principal dessa passagem, ela é citada de forma indireta, o que por si só
descarta a possibilidade de justificar ou legitimar teses homofóbicas. Convém lembrar que em 1 Cor 6,10, está escrito
que “nem os devassos (em grego, pornoi),
adúlteros (moikhoi), efeminados (malakoi), sodomitas (arsenokoitoi) herdarão o
Reino de Deus”, o que de forma clara nos põe diante de uma critica radical em
relação aos que transformam a sexualidade em uma forma de depravação,
promiscuidade, perversão ou mesmo ‘prostituição sagrada’, estes segundo o texto
não herdarão o Reino de Deus.
Podemos
concluir que estes textos citados de forma alguma justificam, nem legitimam as
posturas homofóbicas que vemos constantemente nos meios de comunicação,
apresentando-se como isentas de ‘impureza’ e ‘pecado’, quando na verdade
escondem perversões e preconceitos muito mais imorais do que aqueles que
supostamente combatem.
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