26 de fevereiro de 2012

Bíblia e Homossexualidade



Falar sobre as relações entre Bíblia e homossexualidade é uma tarefa árdua que requer certa preocupação em não usar o texto sagrado para legitimar certas posturas preconceituosas que não levam em consideração o contexto em que determinadas passagens foram escritas, nem muito menos a dignidade da pessoa humana. Por essa razão tentaremos analisar algumas passagens chaves para tornar compreensíveis as referencias a homossexualidade na Bíblia.
A homossexualidade é um fato humano presente em todas as culturas e épocas, não é algo estranho ao ser humano, mas faz parte de sua condição e traz a marca da sexualidade humana, indo além dos supostos ditames biológicos. No mundo antigo, a homossexualidade é uma verdadeira instituição, especialmente se pensarmos nas culturas grega e romana, já entre os povos do oriente próximo torna-se um tanto difícil falar com clareza sobre sua situação, devido a escassez de documentos escritos sobre este tema. No entanto, convém destacar na Bíblia algumas passagens em que temos referencias, mesmo que indiretas, sobre homossexualidade, tais como as que se encontram no Antigo Testamento, em Gênesis e Levítico e, no Novo Testamento, na Carta aos Romanos, textos polêmicos do ponto de vista de nossa compreensão, às vezes apressada e descontextualizada, e que geralmente são evocadas para reforçar posturas homofóbicas.
Vale lembrar que a cultura judaica é androcêntrica, o macho é a referencia pra tudo, é notável que entre os judeus não haja deusas, mas apenas um deus masculino, diferentemente das religiões pagãs do oriente que adoravam figuras femininas tais como Ísis, Astarte, Inana, etc. Atualmente existem tentativas de compreender a Bíblia a partir de uma leitura de gênero que apontam características femininas em Deus em varias passagens, inclusive com referencias maternas. No Antigo Testamento, temos duas passagens mais evidentes que parecem estar relacionadas à homossexualidade, a primeira é de Genesis cap.19, que trata de Sodoma e Gomorra, quando Ló recebe os anjos em sua casa e estes são perseguidos pelos habitantes da cidade que pretendem manter relações sexuais com eles (Gn 19,5, donde o termo sodomita), Ló é obrigado a oferecer suas filhas para tentar satisfazer os homens (Gn 19,8), por fim eles fogem da cidade, que é destruída (Gn 19,24-25). O que se pode concluir dessa passagem, que parece depor contra as atitudes dos sodomitas, na verdade está relacionado à sua atitude indigna em relação à lei de hospitalidade (Gn 19,8-9), algo muito importante entre os povos semitas, em geral povos nômades. A outra passagem está no livro de Levítico (um texto essencialmente litúrgico, destinado aos Levitas e sacerdotes), que trata das relações impuras e abomináveis (‘bdelygma’ em grego, ‘toehbah’ em hebraico que significa ‘falta moral’, e também ídolo, idolatria), entre elas estão o sexo no período menstrual, o incesto, a nudez (Lv 18,6-17), o sexo com animais e as relações homossexuais (Lv 18,22), todas essas relações tornam a pessoa impura diante da liturgia do Templo (algumas são até passiveis de morte), devemos lembrar que muitas práticas religiosas e litúrgicas dos povos egípcios, cananeus e outros (Lv 18,3) incluíam a chamada ‘prostituição sagrada’ derivadas das chamadas religiões da fertilidade, práticas condenadas pela religião javista. É interessante lembrar que a palavra grega ‘orgia’ significa ‘ação sagrada’, também destacamos a identificação, em varias passagens bíblicas, entre idolatria e prostituição.
No Novo Testamento, podemos citar a famosa passagem de Romanos, cap.1, 26-32, a qual tece considerações sobre a questão da idolatria e do paganismo, que levaram os homens a negar o verdadeiro Deus, adorando a criatura em vez do criador, por essa razão os pagãos e idolatras são indesculpáveis, uma vez que a natureza é uma evidencia da grandeza de Deus (Rm 1,21-23), em seguida o texto apresenta as relações homossexuais, e outras, como conseqüência disso (não como causa), ou seja, as relações ‘não naturais’ são o resultado do paganismo (Rm 1,26-27), o que de certa forma relaciona-se com a passagem citada anteriormente de Levítivo, dessa forma percebemos que a homossexualidade não é o tema principal dessa passagem, ela é citada de forma indireta, o que por si só descarta a possibilidade de justificar ou legitimar teses homofóbicas. Convém lembrar que em 1 Cor 6,10, está escrito que “nem os devassos (em grego, pornoi), adúlteros (moikhoi), efeminados (malakoi), sodomitas (arsenokoitoi) herdarão o Reino de Deus”, o que de forma clara nos põe diante de uma critica radical em relação aos que transformam a sexualidade em uma forma de depravação, promiscuidade, perversão ou mesmo ‘prostituição sagrada’, estes segundo o texto não herdarão o Reino de Deus.
Podemos concluir que estes textos citados de forma alguma justificam, nem legitimam as posturas homofóbicas que vemos constantemente nos meios de comunicação, apresentando-se como isentas de ‘impureza’ e ‘pecado’, quando na verdade escondem perversões e preconceitos muito mais imorais do que aqueles que supostamente combatem. 


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