24 de dezembro de 2010

O Sentido do Natal

O Natal é antes de tudo uma festa de nascimento, nela celebramos o nascimento de Jesus Cristo há mais de dois mil anos, mais provavelmente entre os anos 4-6 a.C., em circunstâncias adversas na Palestina. Os estudiosos do mundo da Bíblia não estão de acordo se Jesus nasceu realmente em Belém de Judá, como confirmação de uma profecia (como queriam os evangelistas), ou em Nazaré da Galiléia, de onde recebeu o sobrenome, Jesus de Nazaré.
Infelizmente, a festa de Natal é obscurecida por chamadas apelativas de consumo e acaba na maioria das vezes ganhando contornos pagãos, com arvores de Natal (uma tradição dos países europeus onde há muitos pinheiros), com a lendária figura do Papai Noel (ligado a figura de São Nicolau, o taumaturgo, bispo de Mira, Turquia, séc.IV, daí em inglês ele ser chamado Santa Claus ou Nicolaus), que foi popularizada pela Coca Cola em 1931 com sua a clássica imagem (gorro e roupa de inverno em vermelho e branco, com cinto preto), podemos acrescentar outras tradições que destacam sua relação com a festa do deus sol pagão (relacionado muitas vezes com Mitra), o Natalis Solis Invictus, que celebrava o solstício de inverno (norte), o dia mais longo do ano no hemisfério ocidental, o que leva muitas igrejas protestantes a rejeitarem a data, mas devemos destacar que o cristianismo primevo utilizou a data substituindo-a pela celebração do verdadeiro ‘sol da justiça’, Jesus Cristo, num claro sincretismo ou paralelismo entre o mito de Mitra e a tradição do nascimento de Jesus nos evangelhos.
Mas o que há de tão fascinante e misterioso na festa do Natal?
A festa de Natal é o ápice de um período importante da liturgia cristã, o chamado Advento. O advento (do latim adventus, ‘o que há de vir’) tem inicio na festa de Cristo Rei do Universo e termina na festa de Reis, dia 06 de janeiro. Devido à festa de fim de ano, as pessoas acabam encerrando a celebração do Natal no dia 25 de dezembro, como se o Natal fosse apenas um dia, quando na verdade é o clímax de toda uma espera e de um período, da mesma forma que o período pascal não termina com a festa da Páscoa e da ressurreição, mas continua até Pentecostes. No advento se usa o roxo na liturgia como a cor principal, denotando meditação, penitencia e espera da vinda de Jesus, tanto como recordação da sua encarnação (primeira vinda) como preparação da sua vinda gloriosa (juízo final). Vale ressaltar que, o presépio, a verdadeira representação e imagem do Natal cristão, foi instituído por São Francisco de Assis, séc. XII, com a intenção de plasmar uma imagem de acontecimento tão sublime na história humana que é a encarnação do filho de Deus.
Convém lembrar que o Natal não é a celebração mais importante do cristianismo, que na verdade é a celebração da paixão, morte e ressurreição de Jesus (Páscoa), muito embora seja de grande importância para a espiritualidade cristã a celebração do nascimento de Jesus de Nazaré, o que dá pleno sentido ao hino citado por Paulo na carta aos Filipenses (Fil 2, 5-11) que fala da kenosis de Deus, ou seja, o despojamento de Jesus, que sendo de condição divina assume a fragilidade humana, numa união perfeita entre divindade e humanidade, reconciliando assim o infinito com o finito. 

18 de dezembro de 2010

Ele está no meio de nós!


Fim de ano é uma época engraçada,
as pessoas sentem cada vez mais o peso do trabalho,
tudo fica mais rápido, frenético, dinâmico, todos têm uma pressa inexplicável,
as casas são pintadas, as luzes são acesas,
os amigos sentem a necessidade de se rever,
as famílias buscam se aproximar,
os trabalhadores estão ansiosos pelas férias,
os alunos querem passar, os professores querem entrar em recesso,
Enfim, tudo indica que estamos aguardando algo diferente, algo novo, uma mudança.

A vida é assim, regida por ciclos, por etapas,
mesmo que nós não queiramos tudo passa por momentos que vão e vem,
as coisas se repetem, embora não da mesma forma, mas com um jeito de novo.
Mesmo sabendo que nada vai mudar substancialmente, nós acreditamos, esperamos, sentimos que há algo novo no ar, nossa consciência precisa acreditar para suportar a vida, para lhe dar sentido, para irmos adiante.
Em geral, os momentos de crise, de angústia pelo novo, são os mais promissores às mudanças, é através das crises que somos desafiados a inventar saídas, respostas, caminhos, estratégias.
O período de fim de ano é por si só um momento de crise, não como uma crise econômica, um cataclismo, mas é um momento de crise e ansiedade psicológica,
parece com o que denominamos 'apocalipse' (em grego, revelação), ou seja, é um momento de manifestação de anseios, de angústias, de esperanças, de alegrias, etc.

É sobretudo um momento propício para reflexão,
para parar, para pensar,
para parar e pensar,
reavaliar, planejar,
reestruturar, retomar ideais, projetos,
recriar sonhos.

O fim de um ano coincide com o inicio de um outro ano, de um novo período, de uma etapa nova, não que o seja realmente, porque tudo faz parte de uma convenção de nossa sociedade, o calendário, o qual varia de cultura para cultura, com datas, festas, feriados, dias santos, etc, isto não é senão uma criação coletiva tornada norma para todos. E muitas vezes vira uma gaiola onde ficamos presos. Mas há algo mais em tudo isso, sabemos que por trás das convenções existe um quê de diferente no ar, uma sensação de que devemos fazer algo, antes que o tempo se esgote, antes que passe o ano, devemos acelerar nossos projetos, criar saídas para realizá-los. Tudo isso faz parte dessa areia movediça que é o tempo, mas existe algo mais que não foge de nossas mãos assim tão fácil, existe um consolo para a fluidez continua do passar das horas...
Celebramos uma festa a cada ano que se repete, mas que mesmo sendo repetida é sempre novidade, é sempre ansiosamente aguardada...

É o Natal!
Natal, natividade, nascimento, eis o momento mais sublime da história humana!  É Deus que arma sua tenda entre nós (como diz São João)!
É Deus que foge das alturas para estar conosco, para sofrer conosco, para chorar conosco toda nossa miséria desamparada!
É Deus pobre, no meio dos camponeses, dos pastores, dos animais, dos homens!
É Deus fugitivo, perseguido, procurado pelos poderosos para ser morto!
É Deus indefeso, sem armas, frágil!
É Deus menino, infantil, incapaz de lutar, de enfrentar o mal!
Mas é Deus Conosco, Emanuel, que mesmo sendo majestade, todo-poderoso, assume a condição de servo, de humilde, de manso, de fraco, de pobre, de humano...
Enfim, é o único capaz de nos salvar, pois é igual a nós, nos conhece como somos, em nossas fraquezas, pois sofreu nossas desventuras, e assim pode nos perdoar e nos redimir...

Celebremos esta festa que não se acaba, que não se compra, que não se consome, que não está nas tevês nem na mídia, que não precisa de árvore de Natal cheia de luzes artificiais, nem de guloseimas caríssimas, uma festa cuja luz é própria, pois vem do próprio Senhor, cuja árvore é a árvore da vida, cujo alimento se dá na comunhão...
Uma festa tão simples e que está ao nosso alcance na partilha com o irmão, com o pobre, com o que sofre...
Celebremos a noite feliz e eterna da salvação!
Feliz Natal!
Próspero Ano Novo!

9 de dezembro de 2010

Natureza Íntima - Augusto dos Anjos

 

Ao filósofo Farias Brito

Cansada de observar-se na corrente
Que os acontecimentos refletia,
Reconcentrando-se em si mesma, um dia,
A Natureza olhou-se interiormente!

Baldada introspecção! Noumenalmente
O que Ela, em realidade, ainda sentia
Era a mesma imortal monotonia
De sua face externa indiferente!

E a Natureza disse com desgosto:
"Terei somente, porventura, rosto?!
"Serei apenas mera crusta espessa?!

"Pois é possível que Eu, causa do Mundo,
"Quanto mais em mim mesma me aprofundo,
"Menos interiormente me conheça?!"


Spinoza - Por Machado de Assis

Gosto de ver-te, grave e solitário,
Sob o fumo de esquálida candeia,
Nas mãos a ferramenta de operário,
E na cabeça a coruscante idéia.

E enquanto o pensamento delineia
Uma filosofia, o pão diário
A tua mão a labutar granjeia
E achas na independência o teu salário.

Soem cá fora agitações e lutas,
Sibile o bafo aspérrimo do inverno,
Tu trabalhas, tu pensas, e executas

Sóbrio, tranqüilo, desvelado e terno,
A lei comum, e morres, e transmutas
O suado labor no prêmio eterno.