O discurso de Paulo em Atenas (Atos
17,16-34) é um dos primeiros textos em que se trata diretamente da relação
entre gregos e cristãos. O discurso é emblemático, pois representa o primeiro
encontro entre filosofia e fé cristã. Pretendemos de forma breve expor em que
condições se deu este encontro e como ele serve de paradigma para compreender
melhor a relação entre fé cristã e sabedoria grega.
Entre as missões de Paulo destacamos o
encontro entre ele e os filósofos gregos na Praça de Atenas, o qual será
paradigmático e decisivo em relação a estas duas culturas. Paulo foi um
conhecedor da cultura clássica como podemos perceber em suas Cartas, onde cita autores e faz uso de
esquemas de pensamento próprios da cultura helenística. Como exemplo disso,
citemos a passagem em que o apostolo faz referencia a uma passagem da obra Fenômenos de Arato, poeta da Cilicia
(sec.III a.C), sobre a descendência divina dos homens: “Pois somos também de sua raça” (Atos 17, 27-29), além de Cleanto,
discípulo de Zenão (331-232 a.C.) em seu Hino
a Zeus. Mesmo assim é de se notar as criticas de Paulo ‘a filosofia’ ou
sabedoria humana (1 Cor 1, 17-31), que termina em querelas de palavras e
tradições humanas.
Na Carta aos Colossenses (cap.2,8),
Paulo diz: “Tomai cuidado para que
ninguém vos escravize por vãs e enganosas especulações da filosofia, segundo a
tradição dos homens, segundo os elementos do mundo, e não segundo o Cristo”.
O uso do termo ‘filosofia’ em Colossenses não diz respeito ao que comumente se
denomina filosofia, mas às seitas, heresias ou grupos ideológicos de então, o
próprio texto da Carta nos permite entrever os sincretismos que se baseavam na
adoração aos anjos e elementos da natureza, o que não corresponde a mentalidade
filosófica dos primeiros filósofos. O discurso em Atenas se dá por volta do ano
50-52 d.C., no Areópago de Atenas, onde Paulo percebe o temor supersticioso
(deisidaimonia) dos gregos, pois havia imagens para todas as divindades,
incluindo uma dedicada ao “Deus desconhecido”. O texto de Atos começa assim: “Enquanto Paulo os esperava em Atenas seu
espírito se inflamava dentro dele, ao ver cheia de ídolos a cidade. Disputava,
por isso, na sinagoga, com os judeus e os adoradores de Deus; e na Ágora, a
qualquer hora do dia, com os que a freqüentavam. Até mesmo alguns filósofos
epicureus e estóicos o abordavam. E alguns diziam: ‘Que quer dizer esse
palrador?’ E outros: ‘Parece um pregador de divindades estrangeiras’. Isto,
porque ele anunciava Jesus e a ressurreição” (cap.17,16-18). É partindo
desse “Deus desconhecido” que Paulo resolve desenvolver seu discurso,
conclamando os gregos a conversão ao Deus único criador de todas as coisas. O
final do discurso apresenta o descrédito dos gregos em relação à ressurreição
que, como disse Jesus, é o grande sinal dos cristãos, o sinal de Jonas (Lc
11,29-32). O anuncio da ressurreição soa estranho para os gregos que ou
acreditavam na transmigração como os órficos, pitagóricos e platônicos, ou não
acreditavam em vida posterior a morte, como pensavam os filósofos atomistas e
epicuristas. A crença na ressurreição dos mortos é uma crença judaica e cristã,
muito embora os judeus saduceus não acreditassem nela, pois sua leitura literal
da Torah não atinava para isso. Já os pagãos não acreditavam nessa
possibilidade ou nem mesmo imaginavam-na.
Pelo que podemos perceber a doutrina
judaico-cristã da ressurreição é escândalo para os gregos, que mesmo curiosos
ao discurso de Paulo, acabam por ignorar esta doutrina que depende inteiramente
da fé, não sendo objeto de investigação racional, nem cientifica, mas que abre
uma nova perspectiva para a relação entre o Deus e o homem, na medida em que ao
partilharmos da redenção por meio de Cristo somos alçados a condição de filhos
de Deus e partícipes de sua natureza.
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