24 de janeiro de 2010

A sabedoria divina de Jacob Boehme




Jacob Boehme nasceu de uma família humilde em Alt-Seidenberg (Alemanha), em 1575, tendo peregrinado a procura de trabalho manual até se estabelecer em Goerlitz, como sapateiro, em 1594, e aí viveu até sua morte, em 1624. Boehme é conhecido como um dos mais profundos místicos alemães, desde Mestre Eckhart, Tauler e Suso. Suas visões tornaram-se livros extremamente complexos que revelavam mistérios insondáveis tanto para o homem comum, quanto para os estudiosos. Sua obra tornou-se leitura obrigatória de vários filósofos alemães do Idealismo Alemão, como Fichte, Schelling, Hegel, além de Novalis, Schopenhauer, entre outros. Sua obra foi considerada perigosa pelas autoridades religiosas luteranas, mas mesmo a hostilidade da ortodoxia luterana não tirou a paz da alma certa de sua missão.
Boehme teve uma revelação em 1600 a qual não divulgou, até que em 1610 passou a escrever sua primeira obra Aurora nascente (Morgenröte im Aufgang, 1612), a qual descreve toda sua compreensão da essência divina, da criação, a queda do homem, a redenção em Cristo, além dos elementos que compõem a realidade. Além de Aurora, suas principais obras são: Os três princípios da essência divina (1619) e Misterium Magnum (1623). Entre as fontes para a compreensão do pensamento de Boehme está a Alquimia, a Astrologia, a Teosofia e a Cabala, e entre os autores que o influenciaram destacamos a figura de Paracelso (1493-1541). O pensamento de Paracelso exerceu influência no pensamento de Boehme principalmente no que diz respeito à linguagem usada, profundamente hermética, onde se procura falar do Mistério que subjaz à natureza e que só é explicitado nas ciências citadas acima, além da Teologia e da Filosofia, enquanto estas ciências desvendam os arcanos da natureza.
O sapateiro de Gorlitz entende tanto a religião, como a mística, de forma mais profunda e ampla, ou seja, como onto1ogia (teoria do ser), a qual está intimamente relacionada com a razão. Deus é, para ele, processo, não um ser estático e transcendente ao mundo, mas um ser que se revela na história e na natureza. O Deus do sapateiro de Gorlitz é um ser pessoal que tem em si três princípios, o primeiro, o principio tenebroso, origem do inferno, o segundo, o celestial, o paraíso, e o terceiro, o material, origem da natureza. Em Boehme, o mal é visto como um princípio interior da ação divina, que ele denomina a ‘cólera de Deus’, vale ressaltar que a figura de Lúcifer é apresentada por ele como o primogênito de Deus, o mais belo anjo da corte celestial, mas que devido sua prepotência e orgulho rebelou-se contra Deus e foi substituído pelo Verbo, Jesus Cristo. O pensamento de Boehme é profundamente místico e simbólico e, ao mesmo tempo é paradoxalmente marcado por simplicidade e complexidade, simplicidade em relação às formas de expressão que se ligam aos elementos naturais, complexidade na medida em que as formas aparentemente simples escondem uma simbologia muitas vezes difícil de alcançar. Como afirma o próprio Boehme: “Sobre isso, por causa de minha imbecilidade, de meus poucos estudos e da incapacidade de minha língua, sou muito insuficiente, sou menos que nada; mas não sou tão nulo em meus conhecimentos. Só não posso expô-los com linguagem elegante e rebuscada, mas me contento com meus dons e sou um filósofo para os simples.” (Aurora, p.281). Essa linguagem e filosofia para os simples resultam de uma experiência mística, que se expressa em formas lingüísticas que ele denomina de “língua da Natureza” (Aurora, p.119), uma espécie de língua arquetípica, anterior a todas as outras, que se expressa como as sete qualidades ou espíritos-fonte: adstringente, doce, amarga, calor, amor, som e a corporalidade, as quais se manifestam nas três gerações, tenebrosa, celestial e material.
Segundo Boehme, Deus é um ser dinâmico que está presente em toda a sua criação como um todo que dá sen­tido às partes, ele é o fundamento escondido do real, ele é o fundamento da Natureza e das criaturas, que em tudo refletem sua soberania e magnificência. Para ele, Deus é o Uno eterno, em si mesmo, mas sob a forma de uma Trindade, a qual se revela e se manifesta na criação através de sua Palavra eterna, o Verbo, da qual derivam todos os seres. 


Um comentário:

  1. incrivel como, 1600 depois, os ideais gnostico cristaos, esmagados apos o concilio de Niceia, sob o benaplacito de Constantino, ressurgem mais uma vez com J.Boehme: o Criador presente na sua Criacao e convidando o homem a se converter se dirigindo diretamente a ele, sem a necessidade de intermediarios

    ResponderExcluir