18 de janeiro de 2010

Filosofia domesticada?


Atualmente comemora-se o retorno e a obrigatoriedade da Filosofia e da Sociologia ao Ensino Médio nas escolas públicas e privadas, o que já era prenunciado pela Lei de Diretrizes e Bases da educação, de 1996. Entretanto fica no ar uma pergunta: será que a Filosofia, nos moldes em que está sendo transmitida aos jovens, pode trazer algo de diferente para a educação? Não estaria a Filosofia seguindo padrões acadêmicos conservadores que em nada despertam um pensamento verdadeiramente crítico e criativo? Até que ponto esta volta da Filosofia não satisfaz a uma elite que agora dispõe de uma filosofia domesticada e inofensiva?
Para responder estas perguntas seria interessante voltarmos às origens da atividade filosófica, e entender como a Filosofia hoje está totalmente cativa de padrões de produtividade e reprodução, que se coadunam com os moldes de nossa sociedade de consumo. A Filosofia hoje parece não conseguir mais despertar as mentes no sentido de um pensar diferente e inovador. Os filósofos de hoje não parecem ter o impacto que deveriam ter na sociedade, como tiveram Sócrates, Diógenes (o cínico), Giordano Bruno, Espinoza, Voltaire, Schopenhauer, Nietzsche, Sartre, entre outros. Tudo leva a crer que, a Filosofia tem sido domesticada para se tornar inócua e inofensiva, talvez por essa razão ela tenha sido tão bem aceita, inclusive com direito as benesses do Estado. Aconteceu com ela o que acontecia com os chamados Castrati, aqueles cantores de ópera que para cantarem com uma voz mais doce e bela eram castrados.
Como sabemos, a Filosofia em suas origens não nasceu nas escolas e universidades, mas do embate diário entre filósofos e sofistas, os primeiros em busca da verdade, os últimos que com suas palestras vendiam um tipo de saber útil para alcançar cargos políticos na Pólis grega, o que não é muito diferente do que ocorre atualmente. Os primeiros filósofos eram em geral pessoas independentes e viajantes que, por conta própria, buscavam encontrar as respostas para as grandes perguntas do gênero humano. A Filosofia não gozava de apoio do Estado, sendo uma atitude individual sem qualquer compromisso com doutrinas políticas predeterminadas, como acontece nos dias de hoje, com alguns filósofos pagos pelo Estado. Podemos citar alguns exemplos evidentes desta independência da Filosofia face aos planos educacionais do Estado.
Em primeiro lugar, podemos citar o caso do filósofo Sócrates (séc.V a.C.), morto pelo estado ateniense por ‘corromper a juventude’ e não seguir a religião pública, apesar do filósofo se entregar de bom grado a sua execução por não querer romper com as leis da Pólis. De forma ainda mais radical está a conduta de Diógenes, o cínico (séc.IV a.C.), o qual despreza e até zomba das convenções sociais e políticas em nome de uma vida livre e de acordo com a razão. É paradigmático encontro de Diógenes com Alexandre Magno, que fica encabulado por parecer desprezível diante do ‘filósofo do barril’. O que não dizer então de Schopenhauer (séc.XIX), o qual, em seu ensaio Sobre a Filosofia Universitária (na obra Parerga e Paralipomena), faz uma crítica mordaz aos filósofos que fazem da Filosofia seu ganha-pão à custa do patrocínio do Estado? Ele chega mesmo a denominar filósofos do porte de Fichte, Schelling e Hegel, de sofistas! Neste mesmo clima, em seu texto Sobre Livros e Leitura, diz ele em relação aos eruditos (e por que não dizer também aos filósofos) que estes “ficaram estúpidos de tanto ler”! Do mesmo modo, o filósofo alemão Nietzsche (1844-1900), em seu ensaio Schopenhauer como educador, critica o padrão de ensino da Filosofia nas universidades de então, onde os jovens eram levados a decorar um sem número de sistemas filosóficos, simplesmente para parecer que sabiam realmente filosofar (!).
Atualmente vemos filósofos abdicarem de suas cátedras universitárias por se sentirem castrados em sua atividade de pensar livremente, pois os padrões impostos pelas instituições de ensino não passam de um incentivo a produzir sem objetivo e reproduzir o que já foi pensado, quando não apenas fazer glosas e comentários a tudo que já foi produzido até hoje. Nas escolas públicas vemos salas superlotadas de alunos que parecem não ter nenhum objetivo de estudar, escolas estas sem infra-estrutura e aparato tecnológico suficiente para a demanda de alunos, com professores desmotivados, mal-preparados, sem auto-estima e sem perspectivas. Alguns professores têm entendido equivocadamente sua tarefa como mera doutrinação esquerdista (pra não dizer dogmática) sem criticidade e incapaz de levar os educandos a pensarem por si mesmos, quando não passam para o outro extremo, ao utilizarem apenas o exercício da cópia como substituição da aula para desta forma fugir ao embate com os alunos. Neste sentido, a volta da Filosofia reveste-se de muita esperança, mas ao mesmo tempo de frustração, apesar de existirem projetos bons que tentam reverter este quadro desanimador. 
 Mesmo nesse clima de crise podemos perceber focos de resistência, na medida em que alguns pensadores procuram resgatar a verdadeira vocação da Filosofia, e não aceitam as condições impostas por um sistema educacional que muitas vezes aliena mais do que educa, fazendo com que a acomodação se torne regra geral. Resta então aos profissionais da Filosofia entender que sua tarefa não pode ficar refém dos padrões impostos, mas deve ser uma resistência ativa e militante, capaz de gerar inquietação e promover um pensar crítico e criativo. Não podemos confundir a educação com o mero ensino (o qual se reduz a escola), enquanto este prepara os estudantes apenas para se acomodar ao mundo, aquela prepara pessoas capazes de transformá-lo.


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