29 de junho de 2013

Raul Seixas e 'Os Números'


Os números governam o mundo”. Esta frase sintetiza de modo admirável uma forma de saber que tem sido tão esquecida no mundo atual. No mundo antigo o filosofo grego Pitágoras (séc.VI a.C.) criou uma escola em que os números eram vistos como a ‘arkhe’ (o principio) da realidade, ‘tudo é numero’ diziam os pitagóricos.
O cantor-compositor Raul Seixas escreveu a musica ‘os números’ para mostrar como os números estão presentes no nosso dia a dia, mas não são os números da economia ou da matemática financeira, o que ele queria revelar era uma forma de matemática mais importante, a matemática simbólica, não de quantidades, mas do aspecto qualitativo dos números. Essa forma de matemática simbólica muitas vezes é vulgarizada com o nome de numerologia. ‘Os números’ talvez seja uma das musicas mais simples e enigmática do Raulzito, pois na sua simplicidade aparente ela nos leva a uma reflexão filosófica do aspecto numérico da realidade.
A musica é um baião no bom estilo nordestino, ritmo contagiante que não deixa ninguém parado, numa cadencia irresistível. Nela Raulzito segue uma sequencia de números que parece aleatória, mesmo partindo do numero 1 (um), segue o 2 (dois), o 4 (quatro), o 7 (sete) e o 12 (doze). Nestes números simbólicos se descobre um mundo de relações que não são apenas de quantidade, mas de qualidade. Os antigos hebreus tinham um respeito profundo pelos números e os consideravam os arquétipos (modelos) da realidade, para isso criaram um método de interpretação dos números, a guematria, que faz parte da kaballah (tradição oral), nela cada numero tem seu significado, o qual pode ser comparado as idéias pitagoricas.

Na musica podemos fazer algumas relações, por exemplo, o numero 1 é a unidade, o principio de todas as coisas, a origem de tudo, Deus, o 2 é a separação, a divisão, o mal(?), e tudo que faz a diferença e que se opõe, o 4 é o equilíbrio, o ponto fixo, o que abrange todos os elementos, os pontos cardeais, o sete é a plenitude, o descanso, a realização e o ápice, e finalmente o 12, que tem significado especial para os hebreus, as doze tribos de Israel, os doze apóstolos, as doze estrelas do apocalipse e representa a multiplicação do 3 pelo 4. Enfim, nestes cinco números se revela o segredo universal, religioso e profundamente místico em que Raul Seixas quis mostrar de uma forma simples o que há por trás das aparências e das coincidências, ele que com doze anos já desconfiava da verdade absoluta.

16 de abril de 2013

Torcidas ‘organizadas’ x Estado desorganizado


O que estamos vendo nesses últimos meses é digno de nota, no que diz respeito à questão do futebol brasileiro. Já não bastasse os cartolas, os conchavos e a multimilionária industria do futebol nacional e internacional, bem como a copa que se aproxima, agora um novo tópico relacionado a isso vem a tona, a violência das torcidas ‘organizadas’.
Dizer que os torcedores são vândalos ou bandidos travestidos de torcedores, não resolve o problema e, na verdade, põe pra debaixo do tapete a verdadeira questão. Quem são esses novos gladiadores que não estão mais no interior do coliseu (arena de luta), mas do lado de fora? Qual a razão de sua revolta? O que escondem tanta ânsia de violência?
As chamadas torcidas organizadas (grosso modo) são agremiações que tem como meta a organização dos torcedores e a articulação interna de seus interesses, mas o que estamos vendo é a transformação desta instituição em uma verdadeira caixa de ressonância de outros problemas sociais que só então passam a ter relevância, uma vez que ferem os interesses da grande indústria do futebol e da copa. O que estamos presenciando todo dia não é apenas a invasão de vândalos no interior das torcidas organizadas, como se apregoa nas mídias, mas o reflexo da fragilidade de nossa sociedade e do Estado, de dar conta de conflitos internos que surgem em diversos âmbitos, seja na segurança publica, no transporte, e inclusive no esporte.
As formas de controle usadas pelo Estado se mostram ineficientes para diminuir o impacto de sua fúria. A insatisfação de toda uma sociedade se manifesta não apenas em passeatas e greves, mesmo nesse encontro entre torcidas rivais vemos a violência na sua forma mais confusa, pois como entender que aqueles que vão a uma partida de futebol precisem se digladiar ao fim do jogo? Antes de tudo deve-se ter em mente que o esporte é nada mais que uma virtualização da violência, a velha historia do ‘jogo limpo’ (‘fair play’) é uma maneira indireta de dizer que o esporte promove violência, por isso se exige o tal ‘jogo limpo’, os times ou seleções encarnam todas as expectativas de uma guerra, aqui as nações são representadas pela seleção que vai ao campo de guerra derrotar o ‘inimigo’. As torcidas se tornaram o espaço onde essa ‘guerra virtual’ se realiza efetivamente, embora o esporte precise seguir as regras. Todo o contingente de frustração social, ódio pelo diferente e pelo outro, encontra agora uma nova válvula de escape, as brigas entre torcidas rivais, não é apenas o que aparece imediatamente aos olhos, mas todo o conjunto de fatores não evidentes, mesmo que inconscientes.
Esperar que uma copa do mundo ou uma partida de futebol seja o espaço de ‘paz e amor’, de pura inocência esportiva é não entender bem a regra do jogo. O que acontece nos estádios e fora dele é reflexo de toda nossa sociedade, um dado que devia ser levado em conta antes de apenas reprimido. Nosso vandalismo de cada dia é escondido da grande massa de expectadores, mas não é menos letal, porque sutil.

27 de janeiro de 2013

As Igrejas da Prosperidade

A Teologia da Prosperidade é o nome dado a um movimento neopentecostal que tem como meta principal colocar a prosperidade como meta do cristão e resultado das bençãos dadas por Deus como sinal de uma aliança com ele. Os grandes exemplos de igrejas seguidoras desta forma de teologia são a Igreja Universal do Reino de Deus, a Igreja Internacional da Graça de Deus, a Igreja Mundial do Poder de Deus, Renascer em Cristo, entre outras.
Esta linha de pensamento teológico é aparentemente recente, teria surgido com o neopentecostalismo (fins do século XX), mas finca suas raízes nas origens do protestantismo, em especial com Lutero e Calvino (Séc.XVI). Com Lutero há uma ruptura não apenas em relação a doutrina e liturgia católica, mas também em relação a concepção de trabalho, que na Idade Media era visto como sacrificio e castigo (a origem da palavra trabalho em latim é tripalium, nome de um intrumento de tortura), passando agora a ser interpretado como 'vocação' (Beruf, em alemão tanto significa trabalho como vocação), ou seja, em seu trabalho, em sua profissão, o homem é chamado por Deus para contribuir com seu Reino, uma especie de releitura da parábola dos talentos. João Calvino por sua vez, destaca em sua obra Institutas, a questão da predestinação, ou seja, Deus teria escolhido de antemão aqueles que serão salvos e os que se danarão no fogo eterno, para os burgueses calvinistas, a prosperidade financeira é o sinal da eleição divina que cumula seus seguidores de bens materiais. Max Weber (sociólogo alemão, séc.XIX-XX), em sua obra A Ética protestante e o espirito do capitalismo, desvenda de forma clara como a concepção protestante de trabalho unida ao ascetismo e a parcimonia dos fieis burgueses levou necessariamente ao desenvolvimento do sistema capitalista na Europa e na América, esta ultima como grande reduto dos puritanos ingleses que tem na economia e no empreededorismo uma marca, exemplo disso foi o inventor americano Benjamin Franklin que criou a frase "tempo é dinheiro".
As igrejas que hoje seguem esta linha de pensamento funcionam como agências que levam os fieis ao empreedimento e a busca de riqueza, como forma de demonstrar que são agraciados por Deus, muitas vezes como um desafio, onde Deus é representado como 'o dono de todo ouro e prata' e que pela sua propria palavra sagrada seria o responsável em atender as demandas financeiras de seus fieis. A fé e o sacrificio pecuniario tornam-se a moeda corrente que obriga Deus a distribuir bens como recompensa. As grandes campanhas realizadas por estas igrejas tem como foco principal a garantia de resultado, de sucesso, de prosperidade, onde os bens materias tem a prioridade. Muitas vezes argumenta-se que o fiel como filho de Deus é indigno de viver na miséria, mas ao invés de apresentar as reais causas da miséria, isto é, a acumulação de riqueza e a má distribuição de renda, coloca como causa desta miséria algo sobrenatural, como possessão demoníaca, maldição familiar e até mesmo, a falta de fé (?). Esta prática é perniciosa por transformar a riqueza no sumo bem do cristão, sendo contrária mesmo ao Evangelho que diz "não levem bolsa nem alforge" (Lc 9,3), ou "o amor do dinheiro é a causa dos males" (1 Tim 6,10), ou ainda "não se pode servir a dois senhores, a Deus ou ao dinheiro (Mamom)", ou finalmente o conselho de Jesus ao jovem rico "se queres ser perfeito, vai vende teus bens e dá aos pobres, depois segue-me" (Lc 18,18-23). Tal teologia da prosperidade não admite que o cristão possa sofrer ou ser pobre, ser pobre é interpretado como uma maldição, ou seja, o contrário do que diz o Cristo que "o reino de Deus pertence aos pobres", o proprio Cristo foi ironicamente vendido por trinta moedas de prata (Mt 26,15).
É óbvio que esta linha de pensamento se coaduna perfeitamente não só para a sociedade tardo-capitalista em que vivemos, mas também se enquadra ao tipo de fiel que esta sociedade criou, o fiel egocêntrico, hedonista, individualista, imediatista, que vê a igreja como clube social ou shopping da fé, onde se paga para assistir um show ou espetáculo de curas e milagres. Este fiel não tem ilusões em relação a transformar a sociedade, na verdade sua ideologia é a de que deve-se 'converter' outros ao mercado da fé, pois só assim os males da miséria e da pobreza acabarão. Para ele, todos tem o direito de ser felizes e ricos, mas apenas os verdadeiros fieis é que se enquadram nesta categoria.
O dízimo, ao invés de ser uma forma de suprir as necessidades da comunidade, isto é, uma forma de redistribuição social da riqueza, torna-se um instrumento de lucro torpe (1 Tim 6,5). No mercado da fé há espaço para diversas igrejas, principalmente para aquelas que sabem usar o marketing e a mídia, transformando pessoas infelizes e depressivas em verdadeiros consumidores para a glória do capital!

16 de janeiro de 2013

Jonas, um profeta relutante


Profeta (em hebraico, nabi) é aquele que anuncia e proclama a Palavra e a Vontade de Deus; em Israel Moisés é considerado o grande profeta e modelo de todos, mas ele mesmo aponta para um profeta maior, Jesus Cristo, o novo Moisés. Na Bíblia (Antigo Testamento) são citados grandes profetas além de Moisés, tais como Elias, Eliseu, Natan, além dos profetas chamados maiores, e os doze profetas menores. A função dos profetas é denunciar a injustiça e apontar os caminhos do direito e da justiça como vontade de Deus.
Jonas, filho de Amati (Jn 1, 1), é um dos doze profetas menores, a obra que tem seu nome por titulo é importante e singular entre os demais profetas, e até Jesus a cita (Mt 12,38-42; Mc 8,11-12; Lc 11, 29-32) ao se referir ao sinal de Jonas, que ficou 03 dias na barriga de um peixe, usando-a como metáfora da sua ressurreição. O livro de Jonas foi escrito no final do período persa (por volta de 538-333 a.C.), não é um livro histórico, mas uma novela com conteúdo sapiencial, pois ele não pretende falar sobre algo que aconteceu, mas dar um ensinamento sobre a universalidade da salvação de Javé, em oposição à visão exclusivista e nacionalista judaica do período pós-exílio, a qual não aceitava que os povos estrangeiros pudessem ser salvos e perdoados por Javé, pois considerava que apenas o povo de Israel era o povo eleito, temos como paradigma disso os escritos de Esdras (398 a.C) e Neemias (450-350 a.C).
Jonas é enviado por Javé para pregar o arrependimento e a conversão na grande cidade de Nínive. Nínive é a capital da Assíria, grande império que predominou no século VIII a.C. e que representava para os judeus o paganismo, a violência e a injustiça. Jonas deve ir à grande cidade e proclamar o arrependimento aos ninivitas, que prontamente se convertem, o próprio rei proclama um decreto de conversão. Jonas, porém, revolta-se porque Javé desiste de destruir a cidade, numa atitude individualista e autoritária. Este é o grande desafio da Igreja hoje, ir às grandes cidades, aos centros urbanos, as metrópoles, a mensagem do Evangelho deve ser proclamada nos grandes espaços, nas cidades, metrópoles, praças, meios de comunicação. Quantas dificuldades nos aguardam, mas ao mesmo tempo, quantas esperanças enchem o nosso coração de entusiasmo! Vivemos em cidades grandes, cheias de problemas, mal administradas, sujas, poluídas, doentes, onde impera a violência, as drogas, o descaso pela vida, onde há muitas tentações, muitos falsos caminhos que iludem as pessoas.
É para estas grandes cidades, das quais queremos muitas vezes fugir, como o profeta Jonas, que Deus nos envia para convidar a conversão e proclamar o perdão dos pecados e a salvação.