17 de julho de 2011

O Padre e o Cientista



Cícero Romão Batista (1844-1934), o Padre, é uma figura controversa. Em parte tido como místico e em parte como político, sua figura permanece uma incógnita que provoca paixões diversas. Como personagem histórico pode ser contemplado de diversas formas, uma delas é a partir de seus contemporâneos. Descreveremos brevemente o perfil dele traçado por uma figura impar na historia do Ceará, o farmacêutico Rodolfo Teófilo (1853-1932), o cientista.
Rodolfo Teófilo tornou-se uma referencia ética e política no Ceará, ao se afastar dos conchavos políticos da época, o que causou adversidades em sua atuação profissional.  Não foi político de carreira, nem deteve cargos apadrinhados no poder publico, sua atuação se deu no campo das letras, escrevendo artigos e livros onde denunciava os desmandos da política cearense de então. Em relação ao Padre Cícero, há duas obras de Rodolfo Teófilo nas quais o padre é citado diretamente, a Libertação do Ceará (1914) e a Sedição de Juazeiro (1915), esses livros tratam dos acontecimentos que envolveram o poder cearense nos inícios do século XX, tendo como antagonistas o oligarca Nogueira Acioly e o coronel Franco Rabelo.
Para Rodolfo, Padre Cícero foi inicialmente um sacerdote santo e um homem preocupado com os pobres (“ninguém amou mais os pobres” e “era um santo” diz Rodolfo Teófilo em seu livro Libertação do Ceará, p.78), muito embora, segundo ele, tivesse uma mente doentia com tendência ao fanatismo e misticismo. Para justificar isso cita a oposição a sua ordenação por parte do padre Chevalier, que também era psicólogo: “Cícero passava horas em estado contemplativo sem noção do meio e do tempo” (Libertação do Ceará, p.77); sendo por isso considerado enfermo pelo padre Chevalier. Após o milagre da hóstia, caracterizado por Rodolfo como embuste por parte da Beata Maria de Araujo, o jovem padre torna-se fanático e vai até Roma defender sua crença. Como diz o autor de A Fome: “Esta viagem a terra dos papas, foi o escolho onde naufragou sua fé” (idem, p.79).  Segundo Rodolfo, o homem fiel e humilde sucumbe diante da riqueza dos papas de Roma e não tendo o ‘milagre’ reconhecido torna-se um rico fazendeiro e entra na vida política.  “Tornou-se avaro. Comprou terras e fez-se agricultor (...) estava rico, porém desejava mandar a política de todo o Cariri e filiou-se no partido do Sr. Acioly” (p.80).  O oligarca o aceitou de braços abertos e fê-lo candidato a 3° vice-presidente do Estado. Segundo Rodolfo, se ele quisesse teria levantado um exercito de fanáticos e teríamos outro Canudos, Juazeiro tornou-se então um ‘reduto de fanáticos’. Na obra A Seca de 1915, Rodolfo narra a invasão de suas terras em Pajuçara a mando dos ‘jagunços do Pe Cícero’ no período da Sedição de Juazeiro.

            Como podemos perceber, a imagem do Padre Cícero feita por Rodolfo Teófilo é própria de seu contexto histórico, sendo reforçada pelo preconceito próprio de uma cabeça formada segundo os modelos cientificistas do século XIX, em especial positivistas. Rodolfo não foge a regra, ele vê estes eventos à luz de um misticismo barato e fanático, muito embora reconheça os méritos iniciais do padre cratense que fundou Juazeiro. É interessante destacar que ambos, Cícero e Rodolfo, homens de profunda humanidade e espírito empreendedor, lutaram sem tréguas pela dignidade do povo sofrido do sertão e da cidade, sem esperança e amparo dos poderes públicos. A seca foi o inimigo comum de ambos, a política o palco de seus confrontos e a ação corajosa, a forma pela qual conseguiram fazer a diferença diante da corrupção e dos desmandos, mostrando de lados diferentes (um através da ciência e o outro da religião) a garra do povo cearense e sua capacidade de enfrentar as adversidades.
In: O Povo, Opinião, 18/07/11.

Um comentário:

  1. Encontrei o Blog fazendo uma pesquisa sobre Pe. Cícero e gostei muito dos temas abordados.

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