7 de março de 2010

Padre Cícero, político ou religioso?



Padre Cícero Romão Batista, uma figura controversa na historia política e religiosa de nosso país, revela uma faceta interessante de nosso povo, a capacidade de sincretizar elementos díspares que vão do místico ao político. O Padre Cícero reuniu em torno de si, por um lado, uma multidão de fieis e admiradores, que vêem nele um santo místico (que deu origem a uma forma de pastoral nova, uma pastoral sertaneja por influencia de Padre Ibiapina), por outro lado, encontramos também vários desafetos e opositores, que o vêem como oportunista e articulador político, pronto para usar sua influencia religiosa em proveito próprio. 
Para além de tantos clichês é necessário ver na figura do Padre Cícero uma pessoa que viveu na pele todos os conflitos e paradoxos presentes na vida dos grandes homens que sofreram os reveses da historia. Infelizmente muitos estudiosos fazem uma leitura ingênua da realidade na qual estava inserido nosso personagem, alguns pretendem reduzi-lo a um político no sentido tradicional e pejorativo do termo, outros como se ele fosse um santo perfeito, imune as tentações e fragilidades humanas, o que é uma imagem contrária de todos os grandes santos que se destacaram na historia da igreja, basta lembrar São Francisco e Santo Agostinho, ou seja, homens que se tornaram santos ao passarem por todos os conflitos possíveis em sua natureza humana.  Há, pois uma grande hipocrisia alimentada pelos meios de comunicação e pelas elites conservadoras, em ver a imagem dos santos como homens desligados das questões políticas (coisas ‘mundanas’ como dizem), como se pudéssemos separar religião e política. Esta separação é fictícia e só reforça a alienação e a falta de formação política das camadas mais populares. Pensar santos exclusivamente religiosos é tentar isolar o aspecto político, como se este fosse incompatível, assim como pensar o político como estritamente voltado para questões mundanas é uma forma de transformá-lo em um ser esquizofrênico cindido em si mesmo. O que pensar então de Jesus, um condenado político por motivações religiosas?
Não queremos isentar o homem Cícero de suas responsabilidades históricas na condução do rebanho a ele confiado pela igreja, mas mostrar que qualquer tentativa de separar a questão política da religiosa, como sugerem alguns pensadores, é simplesmente pernicioso tanto para a religião quanto para a política. Ainda mais em tempos como os nossos, em que se discursa constantemente sobre a separação entre a igreja e o Estado, mas na pratica tudo se faz para alcançar as graças e votos dos fieis através de imagens de santos em cidades do interior cearense. Os acontecimentos do inicio do século XX no Ceará mostram duas facetas importantes: a capacidade de se rebelar, mesmo na miséria, contra os poderes terrenos, quando estes estão em oposição aos seus interesses, bem como o poder aglutinador e revolucionário que a fé em um ideal ou mito religioso pode conduzir.
Essa separação entre político e religioso, oriunda das idéias iluministas do século XVIII e do cientificismo do século XIX, tem se mostrado falsa, pois a política ao se afastar da religião, tenta cada vez mais se sacralizar, criando liturgias para divinizar seus lideres, enquanto a religião despolitizada só serve para conduzir os fieis a alienação e a acomodação, esperando milagres do céu para resolver os problemas mundanos, os quais são decorrentes da irresponsabilidade das autoridades publicas.

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