15 de fevereiro de 2010

A Filosofia nos folhetos de Cordel

Foto: Klevisson Viana e Francisco José na VIII Bienal Internacional do Livro do Ceará

Refletiremos sobre a filosofia nos folhetos de cordel, para isso começaremos por uma frase que para mim serviria de inspiradora, a frase é: “A poesia é filosofia em versos, a filosofia é a poesia em prosa”.
Já que ao falar de literatura de cordel estamos falando em poesia, podemos perceber que na Filosofia há um pouco de cordel, pois na sua origem a Filosofia era expressa na forma de poesia, em versos. Desde tempos imemoriais a poesia tem sido a forma mais utilizada para se expressar, especialmente na carência de uma literatura escrita, enquanto ela é uma forma de mnemotécnica, ou seja, uma técnica de memorização eficaz, além é claro do caráter estético que nela se apresenta que lhe dava uma aura de divina.
Um exemplo deste caráter divino da poesia pode ser constatado na invocação das musas, rotina sempre presente na literatura de cordel, mas que remonta a Homero, na Ilíada e Odisséia, e Hesíodo, na Teogonia e em Os Trabalhos e os Dias. As primeiras grandes obras poéticas da tradição ocidental que tem sua origem na Grécia antiga. No Canto I da Ilíada lemos: “Canta ó musa, a ira de Aquiles filho de Peleu...”. Em relação à importância da expressão poética na antiguidade e sua relação com a Filosofia nos diz Aristóteles, em sua Poética: “Entretanto nada de comum existe entre Homero (poeta) e Empédocles (filósofo) salvo a presença do verso.” (Aristóteles, Arte Poética, I, 11). A partir deste texto, percebemos que o verso era a linguagem comum tanto da poesia quanto da filosofia, e, ao contrário do que diria Platão, o qual rejeita a poesia em sua Republica (vale ressaltar que o próprio Platão era poeta, o que nos leva a questionar sobre sua posição), Aristóteles exalta o caráter racional e universal da poesia, quando diz: “Por tal motivo a Poesia é mais filosófica e de caráter mais elevado que a História, porque a Poesia permanece no universal e a História no particular.” (Aristóteles, Poética, IX, 3).
Com isso vemos claramente que há algo que aproxima a racionalidade filosófica da poesia e vice-versa, é isto que faz com que o cordel, enquanto poética popular, carregue em si os germes da reflexão filosófica na sua busca de expressar o real em sua complexidade. Podemos dizer que os grandes poetas marcam com suas obras a genialidade do pensamento, entre eles destacam-se ainda mais aqueles que poeticamente filosofam. Diante disso tudo e sabendo que a poesia tem uma ligação com a filosofia e pode expressar idéias e reflexões filosóficas, podemos nos perguntar: Já que a filosofia agora se tornou obrigatória em todas as escolas do país, seria possível ensinar filosofia com cordéis? Uma vez dispondo de uma biblioteca de cordéis na escola poderia o professor de filosofia utilizar-se dos cordéis e levar os alunos à reflexão por meio deles?
Os folhetos de cordel trazem uma imensa gama de questões a serem elaboradas e desenvolvidas num espaço coletivo de reflexão, ou como diria o filósofo Matthew Lipman, numa comunidade de investigação, a qual permitiria aos educandos um espaço democrático de debate e investigação das implicações contidas nas narrativas estudadas. O cordel é uma ferramenta incrível para levar o educando ao conhecimento da nossa cultura, de nossas raízes, mas pode ser mais que isso, ele pode levar-nos a uma reflexão critica de nossas idéias e ideais, de nossos costumes, das concepções e ideologias presentes em nossa formação e do pensamento do homem simples que expressa em seus poemas as realidades mais complexas da condição humana. 
Por isso, consideramos que a Filosofia pode e deve ter no cordel, especialmente aqui no Ceará e em todo o Nordeste, mais um aliado em seu trabalho incansável de levar os homens ao conhecimento de si e a problematização das falsas verdades e certezas impostas pelo neoliberalismo, pela tradição e pelos meios de comunicação de massa. Com o Cordel aliado a Filosofia, estaremos ampliando a possibilidade de transformar nossos concidadãos de meros zumbis teleguiados e dependentes de celulares e outras parafernálias modernas em pessoas capazes de pensar por si, de investigar o mundo que os cerca, de criticar as falsas verdades impostas, de denunciar os desmandos da política, de se manifestar e transformar a realidade!





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