Segundo fontes encontradas no Egito em 1946, sob nome Nag
Hammadi, há um manuscrito, provavelmente dos séculos II e III de nossa era,
denominado Evangelho de Tomé, um escrito apócrifo gnóstico, onde se narra
palavras de Jesus a Tomé, o gêmeo: “Eis
as palavras secretas ditas por Jesus, o Vivente, escritas por Judas Tomé, o
gêmeo” (O Evangelho de Tomé). A
forma do Evangelho de Tomé tem como característica principal ditos de Jesus,
que revelam uma tradição de coleções de ditos e/ou feitos do mestre colocados
sem uma sequência orgânica, em seu conteúdo trata de temas caros aos gnósticos,
onde Jesus representa o homem perfeito e seus ditos misteriosos encontram sua
interpretação dentro da simbologia da escola gnóstica, muitos dos ditos são
variações daqueles dos evangelhos canônicos. Eis alguns: “1. E ele disse: Aquele que encontrar a interpretação destas palavras
não provará a morte”,“42. Jesus
disse: Sede passantes”,“112. Jesus disse: Infeliz da carne que depende da alma;
infeliz da alma que depende da carne” (O
Evangelho de Tomé).
Como vemos, Tomé gozava de grande estima mesmo entre os pagãos orientais
e como no período das descobertas a América era confundida com o Oriente era
lógico crer que se encontrariam indícios do que Marco Pólo narrou, o qual tinha
muito prestígio entre os europeus, pois estes não conheciam muito ou mesmo nada
do Oriente. A idéia de que Tomé estivera nas Índias logo se fortaleceu quando
do contato entre europeus e indígenas, o que nos atestam os relatos dos Jesuítas.
Há analogias de Tomé com o famoso deus Quetzalcoatl (a serpente emplumada) do
México, que significa ‘gêmeo’ como o
Tomé bíblico, e esse deus Tolteca tinha uma ‘cruz’ em seu chapéu de ponta (por ser o deus dos quatro pontos cardeais).
Segundo Enrique Dussel, filósofo e historiador argentino, esta cruz e sua
relação com o grande dilúvio e ‘tantos
outros signos’, fez com que o Pe Diego Duran pensasse que o sacerdote e rei
tolteca – e depois deus – era nada menos que o apóstolo Tomé, que da Palestina
teria ido á Índia e dali teria vindo ao México.
Também no Brasil encontramos relatos sobre a lenda de Tomé (Sumé ou Zomé)
entre nossos índios, descrita pelo célebre Câmara Cascudo, no ‘Dicionário do Folclore Brasileiro’: “Sumé personagem misteriosa, homem branco
que, antes do descobrimento, apareceu entre os indígenas, ensinando-lhes o
cultivo da terra e regras morais. Repelido, abandonou a região, caminhando
sobre as águas do mar. “Dizem eles que São Tomé, a quem eles chamam Zomé passou
por aqui, isto lhes ficou por dito por seus antepassados e que suas pisadas
estão assinaladas junto de um rio; as que eu fui ver por mais certeza de
verdade e vi com os próprios olhos, quatro pisadas mui grandes com seus
dedos,as quais algumas cobre o rio,quando enche; dizem também que quando deixou
estas pisadas,ia fugindo dos índios que o queriam frechar, e chegando ali se
lhe abrira o rio e passara por meio dele à outra parte,sem se molhar e dali foi
para a Índia. Assim mesmo contam que, quando o queriam frechar os índios, as
frechas se tornavam para eles, e os matos lhe faziam caminho por onde passasse.”
(Manuel da Nóbrega, Cartas do Brasil, 101, a carta é de 1549).
Continua Câmara Cascudo: “Também é
tradição antiga entre eles que veio o bem-aventurado apóstolo São Tomé a esta
Bahia, e lhes deu a planta de Mandioca e das bananas de São Tomé; e eles, em
paga deste benefício e de lhes ensinar que adorassem e servissem a Deus e não
ao demônio,que não tivessem senão uma mulher e não comessem carne humana,o
quiseram matar e comer, seguindo com efeito até uma praia onde o santo se
passou,de uma passada,a ilha de Maré, distância de meia légua, e daí não sabem
por onde. Devia de ser indo para a índia,que quem tais passadas bem podia
correr todas estas terras, e quem as havia de correr também convinha que desse
tais passadas.” (Frei Vicente de Salvador, Historia do Brasil (1627), 103).
Também o Pe Antonio Vieira nos dá algumas indicações sobre a lenda a respeito
do apóstolo Tomé no Brasil em seus “Sermões”.
Concluindo, podemos perceber como determinadas
figuras míticas e lendárias como a de Tomé, o apóstolo, podem ter uma
continuidade na cultura popular, atravessando o tempo e o espaço, servindo de
arquétipo do homem santo, do grande civilizador e ainda do missionário
além-fronteiras.
Referências
Bíblia de Jerusalém
Marco Polo, O livro das Maravilhas.
Cascudo, Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro
Padre Antonio Vieira. Sermões
VVAA. O Evangelho de Tomé. in: Apócrifos da Bíblia.